CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 4
- Fernando Rogério Jardim
- 16 de jan. de 2016
- 3 min de leitura
São Bernardo do Campo, 16 de janeiro de 2016.
Prezada Sandra,
Primeiramente, eu estou achando simpática essa sacanagem pitoresca de vocês, mandando-me cartas de papel pelo correio. Esta seção do blog chama-se cartas para jovens empreendedores; mas isto não significa que vocês devam necessàriamente me remeter pergaminhos transportados por caravanas de camelos. Mas tudo bem. Aceito a brincadeira, desde que vocês não exijam que eu entre nela e se satisfaçam com as minhas respostas eletrônicas. Vamos então ao conteúdo da sua carta.
Você me diz que teve uma idéia para um negócio; e no transcurso de toda a carta, você não me disse que idéia foi essa e que negócio é esse. Cá entre nós: ¿você está metida em algo ilegal, Sandra? A-menos que seu negócio envolva tráfico de drogas, petismo, comércio de órgãos e prostitutas tailandesas, eu não vejo por quê de você ocultaria sua natureza. Aliás, esse seu tom meio araponga perpassa toda a carta. Só faltou você escrevê-la com letras recortadas de revistas -- como faziam os seqüestradores.
Veja: eu vou resumir seu discurso oculto para que você-mesma o entenda: "Eu tive uma idéia que acho foda; mas eu estou com medo de revelá-la -- porque, se ela for mesmo foda, os outros poderão roubá-la; mas se ela for imbecil, então eu prefiro nem ficar sabendo." ¿É isso mesmo, Sandra? ¿Você me escreveu uma carta para que eu désse aval a essa palhaçada sinistra que você arquitetou na sua cabecinha paranóica? Então, deixa eu lhe contar algumas coisas sobre idéias e roubo de idéias.
Idéias são o recurso mais abundante, trivial, fugaz e barato da sociedade. Todos os dias, as pessoas vivem tendo idéias. O problema é que a maioria delas são inviáveis (econòmicamente ou tecnològicamente), têm a data de vàlidade vencida, não se encaixam nos recursos prévios ou no perfil das próprias pessoas que as tiveram, etc. Portanto, desculpe lhe informar, Sandra, mas você não ganhou na loteria por ter tido uma idéia -- por mais dinheiro que você imagine poder ganhar com ela.

Por enquanto, você só tem uma idéia; e se você só tiver uma idéia, ela poderá sim! ser roubada fàcilmente por pessoas que, além da idéia, também tenham recursos, contatos, clientes, vontade e experiência para implementá-la. Noutras palavras, a melhor forma de você proteger sua idéia não é guardando-segredo ou patenteando-a (patentes não garantem muita coisa), mas amarrando essa idéia numa rede estreita e poderosa de parceiros que ajudarão você a levá-la a-diante. ¿Entendeu?
Uma idéia sòzinha, qualquer tonto rouba. Mas uma idéia acorrentada fortemente a uma rede de pessoas, coisas e outras idéias, ninguém toma de você. Imagine o seguinte: nós dois somos chefes-de-cozinha renomados e, num belo dia, passando pelo seu restaurante, eu surrupio uma famosa receita de rizoto que você gardara na gaveta. Pois bem. ¿Que diabos eu farei com essa receita se não tiver também os ingredientes necessários, os instrumentos e o know-how que só você tem? ¿Enfio-a no rabo?
Há a possìbilidade d' eu simplesmente achar sua receita boa, mas não gostar de rizoto e, pessoalmente, não sentir vontade de prepará-lo. Há ainda o risco d' eu, usando sua receita, deixar de lado pratos que eu realmente curto e faço bem. Há idéias, Sandra, que são excelentes, lucrativas, engenhosas... mas que não servem para mim, porque não se encaixam nas minhas outras hàbilidades e experiências, etc. Eu posso até ter interesse nelas, mas não ter aderência a elas. ¿Entendeu?
Por fim, idéias de negócio são meras hipóteses que precisam de vàlidação; e quanto mais rápido você testá-las, melhor. Se você não revelá-las a pessoas gabaritadas & experientes, ¿como é que você vai saber se elas são mesmo boas, se há mercado para elas? ¿Como é que você vai saber que não reiventou a catapulta? Entenda, Sandra, que eu poderia ter usado essa resposta para orientá-la no negócio; mas como você preferiu fazer segredinho dele, eu gastei meu latim tentando demovê-la duma paranóia tola.
Largue de veadagem e mantenha contato.
Fernando.
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