CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 5
- Fernando Rogério Jardim
- 23 de jan. de 2016
- 3 min de leitura
São Bernardo do Campo, 23 de janeiro de 2016.
Prezado Alberto,
Eu entendo perfeitamente seu desconforto... e o desconforto que você provoca entre seus coleguinhas pernósticos & engomadinhos da faculdade. O meio acadêmico é mesmo um ambiente moralmente deletério, porque é fundado no narcisismo, na autolatria, na histeria, na aparência de conhecimento e na interproteção màfiosa. Admito que ri alto várias vezes lendo seu e-mail, porque ele me fez lembrar de certas coisas que, hoje, analisando em retrospecto, também se passaram comigo. Eu li suas palavras como um desabafo, e não como uma consulta. (Espero não ter me enganado). Portanto, o que eu posso lhe oferecer aqui são apenas comentários adicionais, e não conselhos. Vejamos.
O universitário brasileiro padece de três fetiches: o diploma, o concurso público e o trabalho na "firma-de-marca". O diploma é um certificado burocrático atrás do qual o bacharel esconderá sua absoluta incapacidade, conseguindo, entretanto, ingressar no mercado-de-trabalho como um jumento respaldado por outros jumentos -- seus professores. Disso advém um primeiro paradoxo: durante os anos do curso, o aluno esperará continuar tão boçal quanto entrou, conquanto que ele receba no final um pedaço de papel que o absolverá de qualquer acusação de boçalidade vinda de alguém que não tenha um pedaço de papel parecido. Primeira conclusão: estamos diante dum fingimento sinistro.
Já o concurso público é uma espécie de portal da quinta dimensão. Você estuda & batalha para passar nele... e nunca-mais precisar estudar & batalhar por mais nada. ¿Não é fofo? Disso advém um segundo paradoxo: o concurso público é um esforço que promete dispensá-lo de quaisquer esforços adicionais para o resto da sua deprimente & desnecessária vida. (Nota: devem existir servidores públicos honestos & capazes. Digamos que existam. Eu só não os conheço). Segunda conclusão: muitos dizem que o serviço público é um sorvedouro de pessoas talentosas, que são roubadas da iniciativa privada, onde poderiam ser mais produtivas. Então tá! Por mim, eu dispenso esse "talento" todo.

Veja, Alberto, meus amiguinhos concursados têm mais segurança financeira que eu, têm mais bem-estar que eu, têm mais estabilidade empregatícia que eu. O problema é que, em troca disso, o demônio com o qual eles firmaram contrato exigiu-lhes de seis a oito horas das suas vidas — todos os dias! ¿Você assinaria um contrato desses, Alberto? Imagine que o diabo em-pessoa chegasse para vosmecê e lhe propusesse o seguinte: "Dar-lhe-ei estabilidade, salário acima do mercado, nenhuma pressão, benefícios e molezas; mas roubarei de seis a oito horas dos seus dias, durante as quais você viverá uma espécie de danação antecipada. ¿Que tal?" Eu mandaria esse diabo à merda.
Eu tenho notado que, hoje-em-dia, os pais aceitam mais tranqüilamente a homoxessualidade do filho do que sua decisão de empreender. E é por isso que eu ri tanto lendo sua mensagem — porque ela viola o terceiro & último fetiche do estudante universitário brasileiro, inoculado nele desde cedo pelos pais: trabalhar numa "firma-de-marca". E a faculdade não vende apenas a esperança dum emprego; ela quer também que você tenha um "sobrenome corporativo": eu me chamo Alberto, da Motherfucking Incorporated. Isso soa mais-ou-menos assim: eu sou Alberto Figueiroa de Orleães & Bragança de Mendonça Andradas. Ok. Isso soa bem. ¿Mas quantas "firmas-de-marca" há no mundo, Alberto?
Respondo-lhe: pouquíssimas! ¿E o que seus amiguinhos pernósticos da faculdade farão se tiverem de trabalhar, inicialmente, na Parafusos Tabajara? ¿Eles vão se matar? ¿Eles vão chamar o Procon? Pois é... Eu só posso lhe parabenizar por ter-se mantido imune aos dois últimos fetiches, Alberto. Não é fácil! O importante é que você possa dizer a si-mesmo que é feliz; que não sabe quantas horas trabalha por dia, porque não consegue diferenciar o trabalho da diversão; que você possa deixar ao mundo um legado mais interessante que barulho, sujeira, dívidas, bastardinhos catarrentos e memórias amargas. No mais, desejo-lhe sucesso com a empresa. Que a falência lhe seja rápida e indolor.
Abração,
Fernando.
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