CAPÍTULO 11: A PERSONALIDADE EMPREENDEDORA: O MÉRITO E O MOLAMBO
- Fernando Rogério Jardim
- 19 de out. de 2015
- 5 min de leitura
Quando a mèritocracia esconde-se detrás da informalidade.

Olá, indivíduo, criatura e cidadão! Nas duas postagens anteriores, eu procurei esboçar algumas peculiaridades do empreendedor, diferenciando-o das figuras laterais com as quais o José Brasileiro Médio o confunde com freqüência: o metacapitalista, o grande capitalista comum e os pequenos empresários tradicionais, que eu às vezes chamo de empreendedores de subsistência. Também mencionei alguns traços de caráter do povo brasileiro que o tornam um "ornitorrinco empresarial" com pulsões ambíguas em relação aos negócios: pioneirismo predatório versus hostilidade ao dinheiro e ao sucesso (alheios, é óbvio); senso arguto de improviso e de iniciativa versus fé supersticiosa e tradicionalista na idéia de sorte-grande; disposição para empreender versus populismo trabalhista e negligência com as finanças pessoais; vontade de mobilidade social ascendente versus mentalidade pré-capitalista e aristocrática em relação à pompa, ao poder e à riqueza. Pois bem: tanto nesta como nas próximas postagens, abordarei a personalidade empreendedora. ¿Tudo bem?
Eu sei, leitor! Sei que havia prometido avançar um pouquinho mais na elaboração do modelo-de-negócio — um documento de um parágrafo que sintetiza o produto ou serviço que você pretende oferecer, para quem irá vendê-lo e como espera lucrar com ele. O modelo-de-negócio é uma prévia do plano de negócio — aquele documento de quinze a cinqüenta páginas (exceto os anexos) que ninguém lê, mas que você precisa elaborar para se planejar e conhecer melhor onde estará pisando. Lembre-se: já tratamos do seu propósito; já o ensinei como transformá-lo num sonho-visão mais tangível e palpável; já lhe mostrei como destrinchar este sonho-visão em objetivos estratégicos e metas de curto, médio e longo prazos (chamados de pacotes de trabalho) por meio dos quais você harmonizará seus propósitos individuais com as demandas do mercado, criando, lá no final, um negócio que realmente o satisfará como pessoa e agregará valor à vida dos outros. Mas antes de continuar esse percurso, proponho-lhe uma pausa para que você se conheça melhor.
Calma! Guarde seu muxoxo mental e os xingamentos que o acompanham para outro guru. Não lhe oferecerei uma aqui patacoada de autoajuda. Prometo! O que eu quero saber — melhor dizendo: o que eu espero que você diga a si-mesmo — é se está ingressando nessa onda empreendedora porque imagina que enriquecerá num espirro da Fortuna; ou se deseja ser seu próprio patrão porque não agüenta mais seus colegas-víboras e precisa se vingar daquele canalha do seu chefe atual; ou se você acha que teve uma idéia brilhante & lucrativa que ninguém mais teve (pausa para risos); ou se você realmente reúne os traços de personalidade que distinguem um empreendedor dum funcionário apenas diferenciado. Saiba que empreender não significa obrigatòriamente e necessàriamente abrir a própria empresa; é possível empreender entrando numa franquia ou mesmo inovando dentro do emprego que você tem atualmente -- isto, claro, se você não estiver mofando naqueles sepulcros corporativos com gemidos de mortos, esqueletos no armário e correntes arrastando.
É preciso que você se conheça bem e conheça melhor-ainda este ramo em que pretende ingressar. ¿Será que existem mesmo afinidades eletivas entre vocês-dois? ¿Será que empreender não seria o pior meio de se comprar o próprio emprego — um emprego do qual você não poderá se demitir sem dívidas e rancor? ¿Será que você não estaria entrando numa encrenca que lhe causará mais frustrações, decepções e dores-de-cabeça do que você é capaz de aturar? Portanto, preste bastante atenção nos traços da personalidade empreendedora que listarei a seguir e nas próximas postagens. Tente reconhecê-los ou não em si-mesmo, nas pessoas que poderão ser seus parceiros, concorrentes, e funcionários. Não doure a pílula! Não invente ou engane a si-mesmo! Tratam-se de traços que eu observei — pessoalmente e repetidamente — durante cinco anos de pesquisa acompanhando empreendedores universitários, trabalhando em incubadoras de empresas e empresas juniores. Claro: são traços de caráter pelos quais eu nutro uma especial simpatia. Portanto, você precisará filtrar este meu viés ideológico confesso. Começo então pelos traços a seguir: a mèritocracia e a informalidade.
1) O fundamentalismo mèritocrático. Algumas empresas são como árvores repletas de tartarugas, cágados & jabutis. Ora! Nós sabemos que esses animais não escalam árvores. Talvez eles tenham sido postos ali por outros curiosos animais do ecossistema corporativo: os padrinhos, os protetores, as eminências. Outras empresas são como instituições beneficentes: sempre prontas a promover quem aumenta a própria ninhada. Já outras firmas operam como "puxadinhos" da família do fundador ou de partidos políticos, alçando aos píncaros os coleguinhas mais sintonizados com a delinqüência intelectual dominante e podando, por sua vez, as carreiras das alminhas sebosas. Mas poucas coisas são mais avessas à personalidade empreendedora do que a interferência de critérios políticos, regionais, sexuais, raciais, etários, étnicos ou estéticos na admissão ou promoção do pessoal da equipe. O apadrinhamento, a filiação meio maçônica, o nepotismo, a interproteção, o beija-mãos, a omertà màfiosa — tudo isso enoja os verdadeiros empreendedores, que são aiatolás do mérito.
As grandes empresas, graças ao próprio tamanho, conseguem absorver uma quantidade de incompetência e mentalidade pré-capitalista que faria uma pequena startup ir para as cucuias em questão de semanas. Tudo ali é muito rápido. A quantidade de incertezas e incógnitas que devem ser descobertas e gerenciadas com inteligência é enlouquecedora. Não há espaço, portanto, para outro critério senão o gélido, áspero, inflexível e "opressor" mérito pessoal. (Paradoxalmente, nada é mais impessoal que o mérito pessoal). Experimente: tente se impor ali com sua gravatinha engomada, seus títulos altissonantes e badalados, seu MBA, seus contatos com Don Fulano e Nhô Sicrano — e espere pelas risadas! Um pontapé na sua bunda seria um brinde. As coisas que tornam um empreendedor interessante e bem-sucedido não são, definitivamente, as mesmas coisas que tornam um funcionário atraente ao mercado-de-trabalho. Em poucas palavras, há aqui uma valorização orgulhosa e inflexível da mèritocracia — algo que causaria escândalo & revolta em muitas empresas que conheço.
2) A síndrome das havaianas (informalidade). Uma das coisas mais curiosas e sintéticas que já ouvi dum empreendedor universitário foi a frase a seguir, que citarei de-cabeça: "Aqui nós prezamos pela cordialidade e pela educação sim. Mas nós não incentivamos a formalidade. Formalidade gera burocracia; burocracia torna os processos mais lentos; e processos mais lentos me fazem perder tempo, clientes e dinheiro." Entendam o seguinte: os ambientes de inovação (incubadoras de empresas, empresas juniores e que-tais) são lugares que produzem inovações não apenas devido à infraestrutura material e logística que oferecem aos seus membros, mas sobretudo pelo ambiente enriquecedor e energizante que existe ali, composto por uma mistura rica em contatos, parcerias, informação circulante, vàriedade de talentos e livre troca de saberes, pessoas e serviços. Todas essas coisas costumam custar muitíssimo caro do lado de fora desses lugares. Portanto, obtê-las de-graça é uma vantagem competitiva extraordinária. Daí a importância e a valorização da informalidade.
A informalidade rompe barreiras interpessoais e institucionais responsáveis por manter aqueles recursos — repito: saberes, talentos e serviços — enclausurados em baias ou salas. Ela os tira para fora e os recoloca à disposição. A informalidade cria, assim, uma economia meio pública e meio privada de externalidades e compartilhamento; cria um ambiente elétrico e dinâmico de brainstorming em toda parte. Mas isto não gera caos nem "socialismo primitivo". Essa informalidade é mantida e regulada por uma poderosa ética tácita e infusa que desestimula o roubo de idéias, a deslealdade, a ingratidão, as rasteiras, o carrinho, o pescotapa, a paulistinha e o rabo-de-arraia. E a competição capitalista não é nem mitigada nem eliminada ali; mas é adaptada às condições peculiares de pequenas empresas iniciantes que precisam conseguir gratuitamente ou emprestados os recursos pelos quais ainda não podem pagar. Portanto, ao visitar uma startup, não se assuste se você for recebido por um moleque calçando chinelos e vestindo bermuda. Não é estilo; é economia, estúpido!
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
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