CAPÍTULO 13: EMPREENDEDORES: ¿ONDE VIVEM? ¿COMO SE REPRODUZEM?
- Fernando Rogério Jardim
- 2 de nov. de 2015
- 6 min de leitura
Conheçamos um pouco mais dessa tribo: os empreendedores.

Oi, povo! ¿Como vão indo? Pois vocês não irão a lugar nenhum! Como vocês sabem, eu venho usando as postagens recentes para traçar uma ràdiografia da personalidade empreendedora. Embora a maioria das características e idiossincrasias que eu listei aqui pareçam ser todas lisonjeiras & positivas, algumas, porém, podem transformar os empreendedores em empregados-problema, caso eles trabalhem em empresas tradicionais que funcionem sob a égide do "fetiche da carreira". Na semana passada, eu citei aqui, pela ordem: a Síndrome de Ligeirinho, que é a pressa e a ânsia em galgar altos postos (tudo ao mesmo tempo e agora); o Complexo de Mozart, que se refere à hostilidade para com hierarquias e autoridades que não as fundadas no mérito pessoal; a Síndrome de Leônidas, caracterizada por uma prèdisposição ao autossacrifício que os fazem abrir-mão da segurança associada às carreiras tradicionais; a Síndrome do ornitorrinco, quer dizer, a tolerância a situações e ambientes marcados pela ambigüidade, pela diversidade e pelas incertezas e, por fim, o Mal de Alice, cujo sintoma é uma curiosidade insaciável pelo desconhecido e uma desconfiança zombeteira diante daquilo que "todos sabem". ¿Prontos para o resto da lista?
8- Síndrome de Sócrates (humildade intelectual). Imagine a seguinte situação: a pintura da sua casa começou a descascar. A umidade está formando manchas e calombos horrendos em lugares maldosamente posicionados no campo-de-visão das visitas. ¿O que você faz? Resposta: você se mete a pintor. ¿Qual é o resultado do trabalho? Resposta: uma bela bosta! É inevitável que o empreendedor de primeira viagem tenha de se virar como faxineiro, advogado, contador, secretário, motorista, macumbeiro e veterinário da própria empresa. É inevitável! Eu já lhe disse isso aqui várias vezes. Mas chegará aquele momento em que você precisará ter a humildade intelectual de reconhecer as fronteiras dos seus conhecimentos & habilidades. Você então será envolvido pela penumbra da ignorância; e precisará reconhecer que está perdidinho. Seus badalados títulos acadêmicos virarão pó diante duma planilha de impostos, diante dum processo produtivo que você, digníssimo doutorzinho, não domina nem conhece. Então, depois de juntar e engolir os caquinhos do eu ego destruído, você precisará exercitar uma qualidade apreciadíssima entre os empreendedores: a humildade intelectual e a habilidade de se cercar de pessoas que saibam mais que você!
9- Complexo do messias maluco (autoconfiança messiânica). Visite uma incubadora de empresas ou uma empresa júnior. Converse com a molecada que você encontrar por ali. Você notará, nessa gente, um traço vivo de autoconfiança messiânica que, aos forasteiros menos acostumados, soará como prèsunção, prèpotência e arrogância da juventude. O caso é que empreendedores bem-sucedidos são motivados por uma coisa chamada propósito: algo que eles viram e que você ainda não viu. Volte alguns capítulos desse blog: você ouvir-me-á falando bastante a-respeito de propósito. Pois bem. Os empreendedores desdejam mudar o mundo tanto-quanto o pessoal lindinho da esquerda — a diferença é que os planos deles não envolvem corrupção, ditaduras, controle da imprensa ou milhões de cadáveres. O sonhos deles envolvem, antes, dedicação, criatividade, talento pessoal e muito trabalho. Os empreendedores que acompanhei e entrevistei não têm aquele pudor — tìpicamente brasileiro & vira-lata — de falarem dos próprios talentos. São profissionais extremamente autoconfiantes, que não têm medo de "enfiar a cara" em coisas novas e sabem que são bons. E é claro que isso entra em choque com a "humildade socrática" citada no item acima.
10- Síndrome do brilho-nos-olhos (entusiasmo e obstinação). O complexo do messias maluco tem um sintoma muito marcado: o brilho nos olhos — sobretudo quando se fala da própria empresa. Eu já disse em capítulos anteriores que o propósito é a confluência entre aquilo que você sabe fazer, aquilo que você gosta de fazer, aquilo que paga suas contas e aquilo que o mundo precisa. Quando você sente um barato desses — desculpem-me pelo vocabulário de maconheiro — ou quando você encontra a missão pela qual você nasceu — perdoem-me agora pelo palavrório de autoajuda — é inevitável que você se envolva pessoalmente, sinceramente, inteiramente com isso. Daí os olhinhos brilham. Entreviste um empreendedor e observe a linguagem corporal dele ou dela. O tronco se inclina para a frente, o peito se abre, os ombros retesam, os braços fazem movimentos grandiosos, as palmas das mãos são mostradas com freqüência, as sobrancelhas arqueiam muitíssimo. Tudo no corpo grita: "eu gosto muito disso, cara! este aí é meu filho, cara!" A síndrome do brilho-nos-olhos é o anestésico que o pequeno empresário toma nos dias difíceis. Mal-comparando, a empresa é seu cachorro badernista: às vezes, ele o deixa furioso, mas você não o doa porque o ama.
11- Febre de Fígaro (polivalência, versatilidade e flexibilidade). O empreendedorismo não é uma carreira definida. Ele sequer é definível como trajetória. Uma das coisas que eu procurei detectar no doutorado foi um conjunto de caminhos repetitivos, um processo produtivo biográfico, um passo-a-passo que tornaria alguém empreendedor ou microempresário. Pois eu dei com os burros n'água. Não encontrei nada-disso. Entendam: ninguém sai da mãe querendo ser presidente de startup. Aos dez anos, quando os adultos impertinentes lhe perguntavam o que você queria ser quando crescer, você não disse "empreendedor ou microempresário". Em vez disso, você disse: "jogador pereba", "servidor público ladravaz", etc. Brincadeirinha! A trajetória dos empreendedores é caleidoscópica e multifacetada. Além disso, a diversidade de obrigações que eles têm de cumprir nos primeiros anos da empresa força-os a serem polivalentes, versáveis, flexíveis, adaptativos. Não porque assim desejam, mas porque assim são e disto precisam. A satisfação da curiosidade (Mal de Alice) é a recompensa psicológica pelos múltiplos talentos & saberes que eles precisam adquirir. Então, lentor, se você não estiver disposto a fazer a barba, o cabelo e o bigode, procure outra freguesia.
12- Complexo de Rambo (combatividade, competitividade). Não pense, porém, que essas pessoas não tenham foco. Seria impossível administrar uma microempresa se você não mantivesse uma autoconfiança férrea, uma autodisciplina áurea, um controle militar de tudo e de todos, enquanto mil granadas caem à sua volta. Empreendedores divertem-se tanto com a batalha quanto com a vitória. São indivíduos bastante competitivos e, quando batem, batem doído. Vou usar uma metáfora geopolítica. Israel é uma ilha de modernidade & civilização cercada por ditaduras bárbaras que a detestam. ¿Você acha que Israel poderia se dar ao luxo de ignorar as táticas e armas necessárias à sua sobrevivência? Em condições análogas, uma startup é uma pequena ilha de ousadia & inovação cercada por grandes e pesadas empresas — todas com bastante dinheiro (armamentos e provisões), muitos funcionários e fornecedores (soldados) e milhões de cidadãos (clientes) em prontidão para defendê-la. ¿Sabe quando o Rambo (quem tiver menos de trinta anos, informe-se no Youtube) sacava sua bazuca e, enfrentando as saraivadas dos vietcongues, com um único tiro, derrubava hèlicópteros? Então: os empreendedores crêem que podem fazer isto. E alguns fazem isso mesmo!
13- Síndrome de "my way" (orgulho dos próprios fracassos). Responda-me com a sinceridade típica dos moribundos: leitor, ¿você colocaria naquele seu currículo cheiroso & limpinho seus fracassos? Creio que não. Pois no universo das startups, os fracassos são tão comuns e tão pródigos em aprendizado e experiências, que eles acabam valendo tanto quanto o sucesso num currículo. Claro: a quebra duma empresa não colocará sua conta no azul. Dependendo da quantidade de grana que você botou nela, a recuperação será dolorosa e demorada. Além disso, como notei, muitas pessoas narram a falência dum negócio com a mesma intensidade e pungência dramática com que narram a perda dum parente. Dói na pele, no ego e no bolso. Mas quem já quebrou uma empresa na vida sabe detectar os sinais de perigo, a sensação angustiante do descontrole, a velocidade terminal da longa queda. Deixe-me fazer uma pergunta profunda: ¿Você acha que a experiência de conhecer o que há do outro lado da morte vale o preço da sua vida? Hum... resposta difícil... Mas o empresário ex-fracassado é o sujeito que morreu e voltou para contar o que há do outro lado da queda. Infelizmente, nossa cultura é hostil a muitas coisas; dentre elas, aceitar e aprender com o fracasso.
14- Doença de Gerson (senso muito agudo de necessidades e oportunidades). Há inovações porque há pessoas, há problemas, há dinheiro. Pessoas com problemas e dinheiro são o ponto arquimediano do empreendedorismo. E os empreendedores são gente atenta às oportunidades trazidas por tal combinação. Alguns inovadores que acompanhei descreveram seu processo criativo como uma espécie de transe, no qual idéas soltas, métodos e técnicas, modelos e esquemas, conceitos e imagens que, inicialmente, nada tinham em comum, namoravam loucamente até se juntarem e se cruzarem em combinações inusitadas. Tais sínteses malucas, por sua vez, entravam em sintonia com problemas reais de indivíduos reais. ¿Eis um negócio viável? Talvez. Depois dessa etapa, as faculdades analíticas da razão entravam na história para cumprir com suas árduas tarefas de detalhar e de planejar o negócio. Repetido várias vezes, esse processo transforma-se na segunda natureza do empreendedor. Ele então se torna um detector de mercados, um periscópio de insatisfeitos, um radar de clientes, um desbravador de oportunidades. E então, leitor, ¿você acha que já possui ou é capaz de desenvolver algumas dessas catorze características? Então, bem-vindo ao clube!
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
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