CAPÍTULO 15: MUITOS QUEREM ENSINAR ALGO QUE NINGUÉM PODE APRENDER
- Fernando Rogério Jardim
- 16 de nov. de 2015
- 4 min de leitura
Empreendedorismo não se ensina, mas o que se aprende aí é fundamental.

Olá, criaturinha sublunar! Imagine a seguinte cena: pode ser num picadeiro ou na cozinha do seu humilde bangalô. Você fez um daqueles cursos de culinária. Caríssimo! Seu professor — fresco & arejado — ensinou-lhe todos os macetes da culinária ocidental, oriental, universal e de outras partes do cosmos. Até seu leite fervido agora é gourmet. Você convidou seus miguxos para almoçar na sua casa. Como entrada, você vai preparar alguma gororoba impronùnciável ao molho de arenque; e como sobremesa, você vai fazer outra gororoba igualmente esquisita, mas com passas ao rum. ¿Os melhores ingredientes disponíveis? — confere! ¿A receita posta à altura dos olhos? — confere! ¿Tudo pronto? Beleza! Minutos depois, sua coninha está imunda; há arenque até na saboneteira... e você está diante duma meleca que nem o totó aceita comer. Cachorro do Satanás!
¿O que deu errado, ó criança? ¿Por que os máster-bláster chefes-de-cozinha da televisão conseguem fazer aquilo e você nunca conseguirá? Resposta: eles têm uma coisinha chamada conhecimento incorporado. "Vade-retro!" Calma. Deixa eu explicar: existem dois tipos de conhecimento: 1) o explícito ou codificado, que está nos livros, cursos, artigos, patentes, manuais e naquela receita que você tentou seguir; e 2) o conhecimento incorporado, que corresponde às habilidades, manhas, técnicas, segredos, paranauês, ziriguiduns, telecotecos & balacobacos dos profissionais experientes. Apenas a primeira modalidade de conhecimento é transmissível pelos métodos clássicos de ensino. Já a segunda — justamente aquela que é responsável pela diferença brutal entre o trabalho dum amador e o trabalho dum profissional — não se pode transmitir tão fàcilmente.
Quer dizer: pode sim, mas não pelos métodos escolares clássicos. O mesmo se dá com atividades artísticas que são parentes distantes da culinária. Se o próprio Beethoven baixasse num terreiro de umbanda — imagine! — e lhe desse aulas de piano por meses a fio, isto não-necessàriamente o tornaria um concertista excepcional. A lista de exemplos pode se estender ao infinito. A coisa se complica ainda-mais quando notamos que algumas pessoas têm a vocação (sentem-se chamadas para fazer aquilo), mas não têm o talento (não conseguem desenvolver suas habilidades); ou têm o talento, mas não têm a vocação — o que é ainda mais triste. Inclino-me a concluir, portanto, que as habilidades necessárias ao empreendedor são do tipo incorporado: elas não podem ser ensinadas em cartilhas. Mas então, ¿o que se ensina nas disciplinas de empreendedorismo?
A febre-tifóide do empreendedorismo e das microempresas fez pipocar na década passada uma multidão de disciplinas, workshops, métodos, livros e cursos supostamente ensinando malabarismos para quem quisesse se transformar no próximo Steve Jobs. Mas muita calma nessa hora! Certamente há oportunistas e estelionatários em toda parte — sobretudo quando há promessas e dinheiro envolvidos. Mas a esmagadora maioria dos profissionais que eu conheço no meio empreendedor são pessoas honestas, competentes, qualificadas e comprometidas. Porém, o que essas pessoas ensinam em seus cursos não é, de maneira nenhuma, empreendedorismo; é sim administração para microempresas. Não que isto não seja importante; é fundamentalmente importantíssimo! — pelas razões que eu darei a seguir. Mas entendam: isto não é empreendedorismo!
Geralmente, o que os professores de "empreendedorismo" transmitem aos seus pimpolhos é uma combinação dos seguintes elementos: 1) ferramentas e estratégias de administração adaptadas às microempresas, embora criadas para as grandes; 2) sermões e ladainhas motivacionais e/ou apocalípticas sobre oportunidades desperdiçadas, necessidades insatisfeitas, nichos de clientes, etc.; 3) análises de casos de sucesso ou de fracasso de empreendedores; 4) exercícios e dinâmicas para o despertar da criatividade e do pensamento "fora da caixa"; 5) modelos e técnicas como o mínimo produto ou serviço viáveis, o oceano azul, a startup enxuta, a inovação disruptiva, a pivotagem, etc. Repito: todos esses conhecimentos são fundamentais: eles cobrem aspectos da formação dos administradores que costumam ser negligenciados pelas universidades.
Segundo a Agenda Estratégica das Micro e Pequenas Empresas (2011-2020), elaborada pelo SEBRAE, esses mico e pequenas empresas correspondem a 98% dos negócios existentes no Brasil. Eles são responsáveis por 21% do PIB e 52% dos empregos com carteira assinada. Além delas, temos um exército de 10,3 milhões de empreendedores na informalidade. São seis milhões de negócios empreendedores só neste país! Pois muito bem. Agora vejam: as faculdades de administração, engenharia e contabilidade continuam formando gestores para atuar nas... grandes empresas! Não é à toa que setores estranhos a essas áreas, como o bancário e o hospitalar, estejam absorvendo esses profissionais sobressalentes, ao passo que as microempresas são administradas por amadores desastrados, muitas vezes tendo de aprender na paulada o que não viram na faculdade.
"Mas ora essa", o leitor deve dizer, "se as técnicas de gestão que eu aprendi na faculdade funcionam nas grandes empresas, ¿por que elas também não funcionariam nas microempresas?" Pois é, leitor! Aí é que está a treta: elas não funcionam ali. Eis a premissa suicida dos cursos universitários brasileiros: estamos formando profissionais para empregos que não existem mais; e as empresas existentes (98% delas, ao menos) estão sem gestores capazes. Isso ocorre porque as escalas são diferentes, as métricas são diferentes, as abordagens são diferentes, as dificuldades e os problemas enfrentados pelos empresários não são os mesmos nas grandes, médias, pequenas e microempresas. É isto o que me leva a crer que os cursos de empreendedorismo vêm desempenhando uma função até mais importante do que aquela que seus responsáveis crêem desempenhar.
Então ficamos assim: o empreendedorismo não é uma coisa que se ensina nos bancos da escola. O que as disciplinas com esse nome geralmente oferecem aos estudantes são ferramentas voltadas à criação e administração de microempresas. As faculdades, por sua vez, têm formado profissionais para grandes empresas — que são a minoria no mercado. Por sua vez, os empreendedores e microempresários acabam descobrindo, amargamente, que as teorias mirabolantes que seus professores lhes ensinaram na faculdade podem virar pó diante do terrível desafio que é gerir... um carrinho de tapioca! É aqui, então, que uma mudança drástica de escalas pode salvar o negócio. É aqui que entram aquelas ferramentas & estratégias que, erròneamente, são confundidas com o empreendedorismo em si. Mas afinal, leitor, você deve estar se perguntando ¿como poderei me tornar um empreendedor, já que isto não se ensina? Aguarde: veremos no próximo capítulo.
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
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