CAPÍTULO 17: COMECE ATÉ O FIM, PLANEJE COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ
- Fernando Rogério Jardim
- 30 de nov. de 2015
- 5 min de leitura
Planejar não garante sucesso, mas não se faz nem feira sem um plano.

Olá! Estou de volta. Você, leitor, conhece a história que vou contar agora. Ela pode ser a sua. Um universitário recém-formado ou um funcionário recém-demitido pega suas economias (ou mesmo o dinheiro de parentes) e investe tudo num negócio que considera infalível, baseado em suposições equìvocadas, estatísticas vaidosas, prèmissas ingênuas, modinhas efêmeras ou sabe-se lá que outras razões ocultas. Seus próximos meses resumir-se-ão numa batalha renhida da esperança contra a realidade, do òtimismo contra a fatalidade. Inconformado com o fato d'o mercado não desejar seu (supostamente maravilhoso) produto ou serviço e por não recompensar seu suor derramado, o empreendedor perseverará sòfregamente; recusar-se-á a reconhecer que deveria ter planejado melhor seu negócio. Afinal, simplesmente lançar um produto ou serviço no mercado, para só depois ver o que acontece, é garantia de que você será muito bem-sucedido... em ver o que acontece!
Lição aprendida, o empresário escaldado, agora com medo de entrar numa fria, está pronto para a segunda tentativa. Ele é brasileiro, e não desiste nunca de repetir uma bela cagada. Continuemos. Ele então estudará todos os livros que eu indico neste blog; colecionará as informações importantes sobre o setor do mercado onde pretende ingressar; fará pesquisas e levantamentos, conversará com aqueles que imagina serem seus clientes, concorrentes e fornecedores; envolver-se-á em cálculos complexos de finanças & tributos e desenvolverá um verdadeiro fetiche por aquele documento pomposo chamado de plano-de-negócio. Aliás, na ânsia de acercar-se de todos os dados e precaver-se contra os imprevistos, as incógnitas e as variáveis-fantasma que o levaram à primeira falência, nosso personagem escreveu um plano-de-negócio cujo número de páginas ombreia-o com As mil-e-uma noites. E é possível que seu conteúdo seja tão fictício quanto as lendas de Sherazade.
Adivinha: outro fracasso! Mas desta vez, nosso personagem não consegue esconder sua estupefação. Afinal, ele planejou tudo. ¿Sabe o tudo? Então: tudo! Acontece que, como diria o falecido Garrincha, nosso aspirante a empresário esqueceu-se de combinar seu plano com os "russos". No caso, os "russos" aqui são seus clientes. Duas coisas podem ter falhado, apesar dos planos. Pode ser que 1) sua hipótese de valor estava errada. Quer dizer, ele tinha um produto ou serviço que imaginava ser maravilhoso, mas não era percebido como algo que agregasse valor à vida dos clientes. Pode ser que o público para o qual seu negócio foi direcionado não era o verdadeiro mercado que o adotaria; pode ser que a real percepção de valor, pelos clientes, estava noutros atributos do produto ou serviço, que não foram devidamente enfatizados pela propaganda; pode ser que o produto ou serviço tivesse atributos (características e funcionalidades) demais ou de-menos, etc. E lista segue.
Ou pode ser que 2) sua hipótese de crescimento era equìvocada. Eis um erro primário e comum ente os empreendedores principiantes: pensar em todos os atributos do produto ou serviço que vai oferecer, mas não planejar como o negócio criado ao redor deles crescerá com escalabilidade e sustentabilidade, auferindo receitas crescentes. Noutras palavras: sabe-se o que vender, mas não como ganhar dinheiro com as vendas. É comum vermos modelos-de-negócio nos quais a inovação envolvida é fantástica, mas a forma de lucrar com ela é ruim, frágil, ingênua ou limitada. Eis um desperdício lamentável, pois a empresa falirá e levará consigo uma tecnologia promissora. Ou acontece o contrário: a estratégia de crescimento financeiro e de extração de receitas é genial, muito-embora a tecnologia envolvida no negócio seja precária, expondo sua empresa a concorrentes mais criativos e agressivos, a imitadores oportunistas, ou a clientes mais exigentes e volúveis.
Infelizmente, é da natureza dos negócios inovadores que as duas hipóteses listadas acima mantenham-se escondidas numa densa e caótica névoa de incógnitas, até que, quando finalmente forem descobertas, seja tarde demais para salvar o negócio. Afinal, uma startup pode ser definida como uma pequena empresa iniciante, geralmente envolvida em inovações tecnológicas, que atua num ambiente de extrema incerteza e dinamismo, mas que compensa estes altos riscos com uma perspectiva de crescimento rápido, virótico e escalar, superior ao das empresas constituídas e tradicionais. ¿Entendido? Então, ¿como ficamos agora? Um mínimo de planejamento, pelo visto, é necessário, pois lançar um produto ou serviço às cegas é o mesmo que brincar de roleta-russa com o mercado; e o mercado, amiguinho, não o poupará só porque você tem belos olhos, ou porque nasceu numa família pobre, ou porque tem coleguinhas poderosos, ou porque segue aquela religião.
Eis a parte cruel disso-tudo: o mercado está cagando & andando para seu esforço, para seu sonho, para seu mérito; o mercado só quer saber o que você tem a oferecer em termos de valores para ele, quer dizer, para nós! ¿E quer saber duma coisa? O mercado está certíssimo! Se você quiser bancar o bebê chorão, ingresse numa dessas minorias de militantes barulhentos da extrema-esquerda, e vá exigir sua chupeta ao Estado-Babá. Boa sorte! Mas voltemos aonde paramos. Se empreender com a cara & a coragem é temerário, pelo visto, planejar até os últimos detalhes também é inútil. Bom... eu não diria inútil; eu diria que o planejamento é necessário, mas não é suficiente, pois há mais mistérios entre a prancheta e a gôndola do que supõe a nossa vã economia. Você nunca conseguirá antecipar, descrever e mensurar todas as incógnitas do seu mercado, uma vez que, repito: é da natureza do empreendedorismo a imprèvisìbilidade. Se você gosta de certezas, espere a morte ou os impostos.
Conheço casos de amigos que passaram anos planejando minùciosamente seu empreendimento — detalharam-no, aperfeiçoaram-no até a tara. Quando finalmente estavam prontos para ingressar no mercado, os clientes já eram outros; alternativas mais eficientes e baratas já estavam disponíveis; a tecnologia estava defasada; novas regras, impostos ou normas técnicas tornaram aquilo impràticável e — tragédia das tragédias! — alguém havia patenteado a tecnologia. Quando não, esses empreendedores procrastinadores esqueceram-se de fazer perguntas óbvias: ¿que valor você pretende oferecer? ¿por que pretende oferecê-lo? ¿como pretende oferecê-lo? ¿para quem pretende oferecê-lo? ¿onde e quando espera oferecê-lo? Noutras palavras, seu imenso castelo de detalhes pode estar sendo erguido sobre prèmissas movediças, enganosas ou ignoradas. Enfim: entre o não-planejamento e o planejamento obsessivo e detalhado deve haver algum meio-termo, onde jaz o verdadeiro sucesso.
Pois virtude encontra-se na justa-medida. E o meio-termo entre um plano-de-negócio detalhado, mas que adiará sua estréia e o iludirá sobre o controle das variáveis, e um ingresso desastrado no mercado sem plano algum, é o que chamamos de mínimo produto ou serviço viáveis (MP/SV). Imagine, caro leitor, decompor seu produto ou serviço em seus pedacinhos mais elementares; depois, imagine ir testando, passo a passo, com clientes reais, em ciclos curtos de planejamento-protòtipagem-lançamento-mensuração, cada um desses pedacinhos elementares, como se fossem hipóteses de pesquisa, sondando qual deles mais agrega valor à vida dos clientes, para, com isto, entregar ao mercado um produto ou serviço enxuto, validado por um público real, finamente sintonizado às suas necessidades, sem nenhuma funcionalidade ou característica desnecessária. Essa é a estratégia da startup enxuta, que explicarei em detalhes nos próximos capítulos.
Mas também ensinarei os extremos: o caminho clássico dum plano-de-negócio detalhado e algumas dicas suicidas para um salto acrobático na escuridão. Mas façamos um retrospecto. Nos primeiros capítulos deste blog, discuti as questões mais "psicológicas" e "sociológicas" do empreendedorismo. Tracei um perfil dos empreendedores (os de necessidade e os de oportunidade). Enumerei as quatorze características que os diferenciam dos empresários tradicionais. Discuti a questão dos gurus, dos livros de autoajuda e do aprendizado empreendedor. Também ensinei a como encontrar seu pròpósito na vida e, partindo desse pròpósito, buscar um conceito de negócio que lhe traga dinheiro e satisfação. Claro: agora falta combinar com os "russos"; falta desenvolver uma estratégia e abordagem que levem-em-conta as demandas do mercado. Mas então vem a dúvida: ¿mas como e por onde começar? Há diversos caminhos possíveis. É o que veremos nos próximos capítulos.
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
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