CAPÍTULO 3: EMPRESA-BONSAI: EMPREENDEDORISMO E AUTOSSABOTAGEM
- Fernando Rogério Jardim
- 24 de ago. de 2015
- 3 min de leitura
Uma breve reflexão sobre pés, mãos e outros alvos bons para tiro.

¿Quem não conhece aquela oficina ou lojinha que entra ano / sai ano continua do mesmo tamanho e não deslancha nem com intercessão demoníaca? Da minha infância, lembro-me do Bazar Santos — um bazar feio que havia no meu bairro. Era mal-iluminado, empoeirado e congestionado; vendia de linhas-de-costura até material escolar. Detalhe bizarro: ele vendia folhas de sulfite avulsas! Nunca cresceu, nunca inovou; era um apêndice do estômago do pròprietário... e morreu com ele. Todos-nós conhecemos empreendimentos que têm a curiosa fisiologia dos bonsais — aquelas árvores em miniatura japonesas: teimam em não crescer. Por isto, mesmo vencendo os dois primeiros anos duma empresa (período particularmente dramático), alguns negócios estagnam. ¿Por que será?
Explico. Todo empreendedor começa como um factótum da própria empresa: varre o chão, atende a ligações, pesquisa preços, relaciona-se com os clientes, anuncia seus produtos, calcula impostos, paga as contas, faz propaganda, etc. Esta é, sem sombra de dúvidas, a etapa mais desgastante e desgraçada do negócio: sua infância febril. O início não é fácil justamente porque você erra muito e faz tudo. Não há glamour nem beleza aqui; há sim gemidos & ranger-de-dentes. Parece até que você tem o pior emprego do mundo, porque seu chefe (você!) está ficando doido. Eis o que eu chamo de Etapa Fígaro: você raspa barbas, arruma perucas, realiza sangrias, apara bigodes e corta cabelos — e tudo naquela velocidade rossiniana.
Muita gente boa que abre o próprio negócio desiste nessa etapa. Portanto, quanto mais rápido você sair dela (direi como), melhor será para sua saúde física & mental. E quem não desiste nessa etapa, entra numa espiral de autossabotagem subconsciente: sem notar, vai podando seu negócio-bonsai, impedindo-o de crescer para além das capacidades individuais do empresário. (Vejam o Bazar Santos). O motivo é simples: se com o negócio pequeno você já estava ficando maluco, pois fazia tudo, se ele crescer ainda-mais, engoli-lo-á! (Caro leitor, este blog preserva as mesóclises). Parece um contrassenso, um despropósito, mas isto existe: empresas que não crescem porque seus donos não deixam. As alternativas, claro, são o pulo do bote (vender a empresa) ou o naufrágio heróico (a falência). Agora vou explicar por que isso ocorre.
Lembrem-se vocês que, nas mensagens anteriores, eu vim com um lero-lero falando sobre propósito: empreendedorismo não é para ganhar dinheiro. Quer dizer, é sim — mas isto é uma conseqüência de se fazer aquilo que se ama. Empreendedorismo é viver de-propósito seu propósito na vida. (Bela frase!) Eis a garantia do sucesso. Porém, isso também pode ser uma cilada, Bino! O mesmo propósito que o entusiasma e contagia as pessoas ao seu redor; o mesmo propósito que o transforma num outdoor ambulante; o mesmo propósito que o faz ver seu negócio como uma extensão da existência e um prolongamento da personalidade, pode impedir que você delegue funções, terceirize processos, rotinize decisões e se desencarregue daqueles trabalhos operacionais chatos que o fazem enlouquecer no dia-a-dia.
Seu propósito pode fazer com que você sofra de ciúmes de autoria — um traço de personalidade que eu observei em quase todos os empreendedores universitários que entrevistei durante o doutorado. Em doses saudáveis, os ciúmes de autoria tornam-no um defensor satisfeito das próprias idéias; alguém feliz com o que faz. Mas em altas doses, o empreendedor acometido desse mal transforma-se num jihadista, num aiatolá, num pregador possessivo (ou possuído), incapaz de receber críticas, admitir mudanças e adaptações em suas idéias. E — principalmente! — incapaz de delegar tarefas. E, como um bom fanático, ele preferirá explodir sua empresa (ou mantê-la sufocada debaixo do sovaco) a ter de vê-la com outro-alguém.
Digamos que os ciúmes de autoria são o lado sombrio do propósito. Eles impedirão que você transfira parte das responsabilidades do empreendimento para terceiros e, com isto, farão com que você continue assumindo rotinas cansativas e redundantes que o forçarão, inconscientemente, a sabotar o crescimento da sua empresa. Dicas: 1) controle seus ciúmes de autoria, 2) limite o escopo do seu negócio, 3) padronize seus processos, 4) rotinize suas decisões e 5) terceirize o que não puder fazer bem. Com isto, você estará pronto para delegar as atividades operacionais para funcionários, e ficar apenas com as tarefas estratégicas que são intransferíveis do empreendedor. Isto o trará segurança para permitir sua empresa crescer.
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?

Empresa bonsai com crescimento constrangido devido a ciúmes de autoria.
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