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CAPÍTULO 4: AUTOAJUDA EMPREENDEDORA: ¿VALE-A-PENA LER ISSO?

  • Foto do escritor: Fernando Rogério Jardim
    Fernando Rogério Jardim
  • 31 de ago. de 2015
  • 3 min de leitura

¿Você não acha estranho pedir autoajuda para os outros?


Um dos ossos do meu ofício, pesquisando os empreendedores, é ler com sincera àvidez as biografias dos autodenominados gurus do empreendedorismo. Parte da vasta literatura disponível sobre o tema enquadra-se naquilo que chamamos de autoajuda. Muitos desses gurus enriqueceram repentinamente e, por isto, afirmam ter alguma fórmula mágica com a qual seus leitores também poderão enriquecer ràpidinho. Veremos abaixo em que auto-ilusão fundam-se essas obras. Já disse aqui — e reitero — que ganhar dinheiro depressa é um dos mitos mais enganadores e vastamente apregoados pela literatura de autoajuda nessa área. Revistas, livros, artigos, notícias e programas de televisão — todos repetem o mesmo mantra e, às custas de exibir as glórias do ofício, escondem as dificuldades e armadilhas, que são muitíssimo mais freqüentes. Também já disse aqui que abrir o próprio negócio pensando sòmente no dinheiro é um caminho seguro para o abismo. Ok? Depois não digam que eu não avisei. Prossigamos.


Nos países de língua inglesa, esse discurso de riqueza tem reminiscências religiosas profundíssimas. A doutrina protestante via o progresso material como fruto do exercício da vocação que, ao mesmo tempo, era um ato de disciplina ascética para a expiação dos pecados e uma técnica de verificação do status de salvo do sujeito. A riqueza conseguida era, assim, uma espécie de ok divino ao fiel ànsioso pelo paraíso. Nos países de língua latina, porém, o mesmo canto-de-sereia da riqueza rápida tem atrativo igualmente poderoso, mas é fundado em motivos diversos. Convenhamos: entre nós, ainda há um ranço escravocrata, latifundista e predatório. A idéia da riqueza rápida, da sorte-grande — mesmo que insustentável e ganha às custas dos outros — faz muito brasileiro revirar os olhinhos. A mentalidade empreendedora nacional, como creio, não tem ressonância religiosa; tem ressonância lotérica. É o sonho infantil de acertar nos números sonhados na véspera, etc. Mas voltemos às biografias dos nossos gurus.


Não ignoro que muitos conselhos ali contidos tenham algum valor motivacional para empresários perdidos ou confusos. Saber que temos irmãos-gêmeos de infortúnio mitiga nossa culpa pelo fracasso pessoal, e talvez renove nossa esperança na justiça do mundo. "Então, eu não sou o único que se ferra. Afinal, isso também aconteceu com eles." Eu também não nego que alguns livros — como os de Ramsey e os de Gerber (coluna à esquerda) — contenham conselhos realmente práticos e aplicáveis, baseados na experiência dos respectivos empresários. Mas quanto aos demais textos, salta aos olhos a banalidade, a trivialidade, o senso-comum crasso, além duns toques daquilo que eu chamo de esoterismo do vamos-que-vamos. Exemplo: tive a pachorra de ler os quatro volumes de Atitude, de Justin Herald (coluna à esquerda), apenas para descobrir, no final da série, que o grande segredo para o sucesso é... adivinhe: a nossa atitude!


Há, porém, um aspecto curioso que perpassa toda essa bibliografia de autoajuda: um aspecto que acredito não ter sido percebido pelo público consumidor desses livros. Analisando detidamente a história desses autores, percebe-se que muitos deles tiveram sucesso devido a circunstâncias nìtidamente adventícias, irrepetíveis, aleatórias, fortuitas ou colaterais. Em suma: sorte! Então, pretendendo justificar a posteriori seu próprio sucesso abrupto (ìntimamente visto como imerecido), esses gurus redigiram obras repletas daquilo que os psicólogos chamam de rationale e os sociólogos chamam de sociodicéia. Noutras palavras, são livros que o próprio autor escreveu para explicar — sobretudo para si-mesmo — seu sucesso repentino. São, noutras palavras, uma busca por sentido, um tapa-buraco no auto-engano do acaso. A dificuldade d' esses gurus reconhecerem a ação da sorte em suas próprias biografias torna-os inventores de històrietas de justificação. Na linguagem maquiavélica, a ênfase na virtù esconde a obra da fortuna.


Entrevistando empreendedores, eu pude notar a dificuldade que eles têm de dar um significado coerente a suas próprias trajetórias "profissionais" — quase-sempre erráticas, confusas, repletas de ziguezagues, avanços e retrocessos. A dificuldade vem do fato d'o empreendedorismo, afinal, não ser uma carreira ou profissão com etapas lógicas, como a de advogado, professor, militante ou grevista (sarcasmo!). Não há um sindicato ou associação de empreendedores; só de microempresários. Não se sabe onde se estará daqui a dois ou dez anos, devido aos riscos. E a mesma incerteza coloidal — que tanto atrai com a promessa de liberdade e realização essas criaturas hiperativas que empreendem — cria nelas, por outro lado, um desconforto por não saberem responder a perguntas simples, tais como: "¿o que você faz na vida? ¿como você veio parar nesse negócio? ¿o que o motivou a empreender?" Enfim: nessa área, boa parte da literatura de autoajuda, sob o pretexto sincero de motivar, serve apenas para dar um significado retrospectivo à trajetória dos próprios autores.


Até-mais-ver!


¿QUEM É JOHN GALT?

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© 2016 por Fernando Rogério Jardim © Wix

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