CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 2
- Fernando Rogério Jardim
- 2 de jan. de 2016
- 4 min de leitura
São Bernardo do Campo, 2 de janeiro de 2016.
Caro Fábio,
Bom... Eu não sei se entendi o conteúdo da sua cartinha. Vejamos. Eu não sou técnico balístico da vida alheia para dizer a que alvos as pessoas deveriam apontar o cano dos seus talentos. Mas já que você pediu meu humilde conselho, agüente-o! Aliás, eu mencionei o conteúdo da sua mensagem porque ela me pareceu oscilar bastante. Diga-me uma coisa: ¿que diabos a antipatia entre sua namorada e sua mãe tem a-ver com o fato de você não agüentar mais este país? (Eu tenho uma opinião mordaz sobre homens que vivem sob o chicote da mamãe ou da namô. Você não iria querer ouvi-la). Por isso, eu repito: ainda que eu não seja técnico balístico para dirigir sua pontaria, tendo em vista seu grau de desnorteio e confusão, acho que alguma orientação não vai lhe fazer mal. Como diria o coelho de Lewis Carroll, para quem não sabe o caminho, qualquer caminho tá valendo.
A sua carta só tem uma constante, meu caro Fábio: você usou a palavra 'risco' onze vezes em duas páginas e meia. E sim, você está certo: nove entre dez gurus falam mais dos riscos do que da grana que podemos conseguir abrindo o próprio negócio. Autores honestos não douram-a-pílula sobre esse ponto. E sim, você está certo: os melhores métodos que já foram inventados para empreender só são os melhores porque focam na detecção e na redução desses riscos. E sim, você está certo: todos — eu repito: todos! — os empreendedores bem-sucedidos quebraram-a-cara ao menos uma vez antes da vitória final. A falência, aliás, é um curso intensivo que dói no bumbum. Sim, meu caro Fábio. Você está cagado de razão. Só que tudo-isso é apenas a metade da história. Então deixa eu lhe contar um segredinho macabro (música de suspense): o emprego formal também tem seus riscos!
Você me diz na carta que está no penúltimo ano de design, né? (A-propósito, ¿você já deu a má-notícia para sua mamãe?) Você, como quase todo estudante universitário brasileiro, acha que vai sair da faculdade com seu diplominha — todo alegre & pimpão — e encontrará um exército de empresários esperando por você na calçada. Pois é, Fábio... Foi essa a lenda que sua faculdade lhe contou e repetiu durante os últimos três anos. Eu não quero ter a fama de estraga-prazeres, de empata-surubas, mas este é o primeiro risco oculto que você assumiu (sem saber) quando entrou na faculdade: o risco de não encontrar emprego depois de formado. E tem mais: a não ser que os alienígenas intervenham, teremos pela frente mais três anos dum governo corrupto, estatista, populista, autoritário, perdulário, incompetente e interventor. E isso só piora as coisas o seu lado.

Mas... suponhamos que você encontre emprego. ¿Você acha que seus problemas acabarão? Veja essa lista: 1) há o risco de você não gostar do seu chefe nazista, dos seus colegas tóxicos ou do ambiente-de-trabalho, e isso começar a prèjudicar seu desempenho, tornado-o um sujeito infeliz; 2) há o risco de você ser contratado para desempenhar uma função totalmente diferente daquela para a qual você foi formado; 3) há o risco d'a sua contratação ser temporária, e você não saber disso, porque ninguém vai querer desmotivá-lo contando-lhe a verdade; 4) há o risco d'a empresa ser vendida ou fundida, passando para as mãos de donos que talvez queiram cortar cargos sobrepostos e redundantes (o seu, por exemplo); 5) há o risco de você bater-de-frente com a política dos patrões, as eminências-pardas, os protegidos, os estrelinhas e, mesmo sendo talentoso & competente, ter a cabeça cortada.
¿E você pensa que acabou? Não! Só acaba quando o diabo diz amém! Trabalhando para terceiros, você sempre estará à-mercê dos caprichos e das decisões (às vezes, burras) de pessoas que você não conhece nem controla. Oras, ¿o que é o risco senão um conjunto de fatores desconhecidos e incontroláveis? E o pior é que essas pessoas estarão assumindo riscos por você, em seu nome, em seu lugar. Você crê que as decisões delas, sendo motivadas pelo auto-interesse, serão sempre eficientes e racionais. Mas acontece que o ser-humano não funciona assim. Calma: tem mais! Se tudo der certo e você arranjar um bom emprego em plena crise, não se esqueça de que você atuará num setor — o design — especialmente sujeito a modismos oscilantes. E este é mais um fator de risco que eu consideraria. A estética é uma das primeiras coisas que as empresas eliminam quando o cinto aperta.
Ah, Fábio, Fábio, Fábio... Agora você deve estar pensando que eu lhe escrevi essa longa resposta para desmotivá-lo. E você está certo! (Brincadeirinha). Eu só quis lhe mostrar que os riscos dum "trabalho decente" (como diz sua mãe) são tão grandes ou maiores que a decisão de abrir o próprio negócio. Porque neste último caso, você ao menos estaria assumindo riscos que você-mesmo poderia descobrir e controlar. Ninguém iria esconder o jogo de você. Ninguém iria dar tapinhas na sua cacunda enquanto prepara sua demissão nos bastidores. Ninguém iria ocupar os degraus da sua carreira com aspones & parentes, numa versão sórdida & petista de Monopoly corporativo. ¿Você entende do que eu estou falando, Fábio? ¿Você percebe que o menos importante aqui é a porcaria do dinheiro; que o mais importante é o mérito, o pleno exercício do talento, a dignidade e a realização?
Decida-se. Tome tenência. Abraços.
Fernando.
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