POSTAGEM-RELÂMPAGO 8
- Fernando Rogério Jardim
- 13 de out. de 2015
- 3 min de leitura

1- Complexo de pseudo-midas. Alguns autores — sobretudo os americanos — e alguns livros — sobretudo os da década de noventa — parecem ignorar os riscos e custos envolvidos em empreender; e prometem mundos & fundos a qualquer aventureiro que abrir uma firma com suas merrecas. Mas não é exagero comparar a atividade empreendedora com uma roleta-russa. O empreendedor é a locomotiva, é o explorador pioneiro, é o carro-abre-alas, é o primeiro entrante. Suas chances de quebrar a fuça no chão são proporcionais às promessas de sucesso reservadas ao primeiro que achar o veio-de-ouro. Altos riscos, grandes ganhos. Porém, com tantas chances de fracasso, com tantas incertezas e incógnitas, com tantos obstáculos e dificuldades (incluindo o fator Brasil), a iniciativa de empreender sempre me pareceu inexplicável — um ato que, paradoxalmente, ia contra a premissa dos agentes econômicos racionais. A-propósito: acabo de ver em minha bola-de-cristal que 70% das empresas abertas hoje estarão mortas daqui a seis anos. Portanto, parece-me que iludir aspirantes a empresários com uma promessa de riqueza fácil & rápida não é sòmente desonesto; é também temerário. ¿Quantos peladeiros de domingo tornar-se-ão Ronaldinhos? ¿Quantos nerds e geeks tornar-se-ão Steve Jobs?
2- Síndrome do vamos-que-vamos. Desconfio que alguns autores de best-sellers de autoajuda consideram-se capazes de levitar com a força do pensamento. Semana passada, eu comentei com meus alunos sobre como seria maravilhoso se inventassem um carro movido a força-de-vontade ou a "esquerdismo atmosférico" (uma fonte-de-energia abundante nas universidades brasileiras). Por exemplo: quando eu leio livros de alguém como Justin Herald (Atitude) — um australiano que enriqueceu vendendo camisetas com frasezinhas motivacionais — eu me pergunto: ¿o que há de errado comigo? ¿esse maluco tá me tirando? A síndrome do vamos-que-vamos é provocada por uma ignorância (proposital ou inconsciente) dos fatores econômicos e sociológicos, culturais e políticos envolvidos no sucesso ou no fracasso de algumas empresas. Sem as referências dum macrocosmo desconhecido, as explicações para o sucesso/fracasso não encontram outro apoio além das recônditas características psicológicas do empreendedor. Então, tudo fica parecendo obra & graça do empenho, da atitude. Eu já disse aqui que boa parte desses livros servem apenas como sociodicéia ou rationale para que os próprios empresários se justifiquem diante da "sorte". Mas de nada serve uma jogação-de-confete ex-post para o leitor que deseja se preparar ex-ante.
3- Transtorno da dança nas nuvens. Todas as idéias formam um belíssimo castelo de cristais. A arquitetura é impecável! As colunatas, os arcobotantes, as arquitraves, as cornijas, os capitéis, os frisos e os frontões — tudo está bem-encaixado e harmonioso! Lindo! Só tem um pequeno problema: nada disso existe. ¿Quem nunca teve seus planos — perdoem o trocadilho — frustrados pela realidade curva? Muitos autores de autoajuda parecem ignorar que, principalmente no caso do empreendedorismo, as variáveis são inúmeras, a maior parte delas é simplesmente desconhecida e elas se combinam e se interferem de maneiras também obscuras. Conforme-se: nenhuma estratégia ou modelo-de-negócio irá conseguir mapear todos os parâmetros importantes dum mercado, porque algumas coisas que você fizer em sua pequena empresa estarão sendo feitas pela primeira vez sob o sol. Afinal-de-contas, inovar é fazer algo inédito. Eu aconselho, portanto, manter-se com o pé-atrás com livros cuja estrutura seja muito disciplinada e fechadinha, que ignoram o fator humano nas equações, que escondem os casos de fracasso, que não levam em conta a hipótese vai-dar-merda. Fuja, enfim, dos teóricos que dançam nas nuvens!
4- Mal de Acácio. ¿Você sabia que, se prosperar bastante, terá mais sucesso e riqueza? ¿Você sabia que, se ultrapassar todos os seus concorrentes, ganhará a liderança do mercado? ¿Você sabia que, se controlar melhor suas finanças, não enfrentará problemas financeiros? Não, leitor, eu não fumei orégano. Eu não cheirei benzeno. Sim: eu li muito marxismo na faculdade, mas o efeito disso já passou. Pois acredite que 70% do conteúdo dos livrinhos de autoajuda é composto de frases assim. Eça de Queirós imortalizou no personagem do conselheiro Acácio (Primo Basílio) a figura do bacharel energúmeno e presunçoso que só diz òbviedades com ares doutorais. Pois eu imagino que essa "entidade" macabra, ainda que fictícia, baixe no corpo de muitos autores de autoajuda quando escrevem platitudes do mesmo jaez. Na minha opinião, não há nada mais irritante do que o anticlímax provocado por uma frase óbvia. Você espera que o sujeito lhe mostre o caminho para o pote-de-ouro, que lhe ofereça um conselho precioso, que lhe dê uma dica mirabolante e espetaculosa — afinal, foi isto o que ele prometeu na contracapa e na orelha-do-livro. Daí vêm aquela torrente de frases-feitas, de lugares-comuns e de clichês doces. Eu me policio para não perder meu tempo com essas leituras. Afinal, eu prefiro morrer do que perder a vida! (Ops!)
Até-mais-ver!
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