DICA DE LEITURA 19
- Fernando Rogério Jardim
- 24 de fev. de 2016
- 5 min de leitura

Crianças, a crônica corporativa é recheada de histórias curiosas — milionários adolescentes criados da noite para o dia em empresas de garagem; corporações gigantescas que se desmantelaram miseràvelmente e líderes tirânicos que resgataram suas empresas do completo atoleiro. Mas nenhum caso é mais curioso que o das empresas gigantes que, prestes a quebrar, acumulando um histórico de medìocridade, conseguiram se recuperar e experimentaram desde então um desenvolvimento extraordinário. Vêm nos à mente casos como a Gillette, a Phillip Morris, a Wells Fargo, etc. Então surge a pergunta milionária: ¿como elas fizeram para escapar da falência? ¿E o que as pequenas startups recém-nascidas poderão aprender com a recuperação das empresas gigantes?
Este é o tema do fantástico, instrutivo, bem-escrito e bem-fundado (págs. 277-257) best-seller de James Collins: "Empresas feitas para vencer: por que algumas empresas alcançam a excelência... e outras não." Vejam: eu já elogiei efusivamente o James Collins aqui e serei obrigado a fazê-lo de-novo. Seu texto é claro e limpo, sua narrativa é literária e elegante, seu esforço didático não cai num erro que eu-mesmo cometo às vezes: a repetição exautiva. O livro todo é uma pesquisa científica transformada lindamente em obra-de-arte — porque Collins não apenas resolve a questão da recuperação "mistèriosa" das gigantes estagnadas ou falimentares; ele descobre também as armadilhas e os mecànismos escondidos que tornaram possível o crescimento duradouro e sustentável dessas empresas.
"Empresas feitas para vencer" (Good to great) faz parte duma excelente tetralogia que eu farei questão de resenhar aqui: "Como as gigantes caem" (clique), "Vencedoras por opção" (Great by choice) e "Feitas para durar" (Built to last). Vejam: os casos estudados pelo autor não são empresas que se beneficiaram da pròsperidade do próprio mercado em que estavam inseridas ou de favores do governo. Pelo contrário; foram empresas que cresceram apesar da conjuntura econômica e, enquanto as concorrentes derrapavam, em algum ponto obscuro da sua história (caixa-preta), a decolagem começou a acontecer. Pois bem. ¿O que há então dentro a caixa-preta? ¿O que elas fizeram que as outras não? É aqui que Collins começa a derrubar alguns dogmas corporativos enraìzados (págs. 26-28).
Primeiro: as empresas saíram do marasmo ou do atoleiro graças a lídres que Collins chama de Nível Cinco: uma mistura paradoxal de humildade e empenho, timidez e profissionalismo imperturbável (págs. 33-61). Nada de tiranos vaidosos ou de narcicistas carismáticos! Além disso, os líderes que estavam à frente da recuperação vinham da própria empresa. Contratações badaladas de executivos externos só agravavam os problemas. Os líderes de Nível Cinco canalizam as pulsões do ego para as conquistas da companhia, realizando-se por delegação. São pessoas ambiciosas sim, mas sua ambição é dirigida para a firma. Por isso, costumam deixar sucessores competentes, garantindo um sucesso de longo prazo, ao passo que líderes enérgicos costumam fazer política de terra-arrasada quando saem (págs. 33-61).
Segundo: as empresas bem-sucedidas primeiro buscam trazer ou manter as pessoas certas na equipe; e só depois de prèocuparam em fazer as coisas certas. Eis aqui uma bela lição para as startups: primeiro comecem definindo quem; e só depois definam o quê. As boas equipes não são formadas por um gênio com mil auxiliares. Seus membros podem até ser todos medíocres, desde que tenham foco e estejam alinhados. Outra descoberta curiosa de Collins é a ineficácia dos sistemas de treinamento e de bonificação por desempenho. Para ele, o objetivo dos sistemas de remuneração é conseguir as pessoas certas e mantê-las dentro da empresa, e não pagar por atitudes certas de pessoas erradas. Além disso, a seleção deve recrutar as pessoas conforme suas atitudes e não conforme suas hàbilidades.
Na gestão de pessoas, as empresas feitas para vencer aliam rigor com critérios claros e justos. E fazem isso para se livrarem dos não-alinhados, do nepotismo, do compadrio, da ineficiência. É nesse ponto que Collins enuncia a lei de Packard: "nenhuma empresa pode crescer de forma constante e saudável mais ràpidamente que sua capacidade de recrutar as pessoas certas em número suficiente para implementar esse crescimento, e ainda continuar uma empresa excelente" (pág. 80). ¿O que fazer, então? 1) Não tenha pressa para contratar; continue procurando a pessoa certa até encontrá-la: vale a pena a espera. 2) Não exite em mudar ou demitir quem estiver dando problema à empresa. 3) Dê às pessoas talentosas suas melhores oportunidades, e não seus maiores problemas. Sábias dicas (págs. 63-93).
Terceiro: as empresas estagnadas ou falimentares encararam a verdade nua & crua; implementaram mudanças dolorosas quando necessárias; não enfeitaram o discurso; não acrèditaram em soluções milagrosas; divulgaram a todos a gravidade dos fatos; foram hostis à complacência e à ocultação dos problemas, mas não perderam a confiança. (págs. 95-125) Quarto: essas empresas se concentraram naquilo que faziam de melhor. Evitando a dispersão em empreendimenros descoordenados, elas se reòrganizaram ao redor de princípios unificadores simples — aquilo que Collins chama de conceito do porco-espinho, que nada-mais é que um propósito unificador: o que você gosta de fazer e é bom fazendo, dum lado, com aquilo que as pessoas querem e estão dispostas a pagar, do outro (págs. 127-163).
Quinto: essas empresas criaram uma cultura da disciplina, o que impediu que elas tropeçassem nos subprodutos do próprio sucesso: excesso de clientes, excesso de parceiros, excesso de equipes e, com eles, hierarquia & burocracia. A cultura da disciplina evita que a hierarquia e a burocracia sejam usadas para compensar a incompetência e a irresponsàbilidade dos funcionários — problemas que são reduzidos quando você tem na empresa pessoas empenhadas e responsáveis (disciplinadas) (págs. 165-195). Sexto: a busca por inovação e aceleradores tecnológicos, deu-se nessas empresas seguindo seu conceito de porco-espinho (foco), sem pirotecnia e sem escândalo. Collins descobre que em nenhuma das empresas estudados a tecnologia foi sòzinha o motivo da recuperação.
Isto não significa dizer que a tecnologia é desimportante, pois todas as empresas bem-sucedidas foram pioneiras no lançamento de alguma inovação. Ocorre que tais inovações não eram usadas como balas-de-prata, modismos ou disfarces para problemas gerenciais, mas sim como aceleradoras dum crescimento sustentado em bases sólidas, com foco, pessoas e valores. E eis aqui mais uma lição para as startups: o domínio duma tecnologia cria uma falsa sensação de estabilidade e durabilidade, que pode fazer com que seus donos baixem-a-guarda para probleminhas aparentemente mais tolos, como relacionamento, alinhamento de propósitos e disciplina (págs. 197-220). Bom... Acho que me extendi bastante nessa resenha. A única coisa que me resta dizer a vocês é: leiam esse livro já!
Até-mais-ver!
COLLINS, Jim. "Empresas feitas para vencer: por que algumas empresas alcançam a excelência... e outras não." São Paulo: HSM Editora, 2013. 367 páginas. R$ 88,00.
DEPOIMENTOS:
"Empresas feitas para crescer... Pensando bem, deve ter sido fácil para a Pfizer: ela invetou o Viagra!"
Professor Ananias Valente, palestrante, ufólogo e urologista amador.
"A barriga é o contrário da empresa: cresce por falta de empenho — com exceção da fèminina."
Seu Joselito Cadelinha, lavrador, reprodutor e filósofo em estado bruto.
Comments