CAPÍTULO 28: O VÔO-DE-GALINHA DOS ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA
- Fernando Rogério Jardim
- 15 de fev. de 2016
- 4 min de leitura
Por que os advogados cantam-de-galo e dão vôos-de-galinha.

É... Eu havia prèvisto usar este capítulo para começar a falar das franquias – uma das formas mais controversas de se empreender. Mas o capítulo anterior (clique) deste blog suscitou reações dos meus... quatro leitores. Talvez cinco. Tenho muitos alunos e ex-alunos de Direito; e posso sentir um certo desconforto dessa cambadinha com relação a algumas práticas & bolores do meio jurídico. Claro: posso estar enganado; posso estar projetando neles desconfortos que são meus. Mas como não faço parte da máfia togada e, portanto, não temo amanhecer com uma cabeça-de-cavalo ao lado da cama, sinto-me à-vontade para dizer aos “abalizados causídicos” algumas verdades que talvez lhe sejam úteis, embora amargas.
Em primeiro lugar, tenho ex-alunos que fazem estágio (ou cumprem detenção, não sei) em escritórios de advocacia, onde reclamam estar sendo subutilizados em atividades redundantes, desqualificadas, operacionais. Eu posso apanhar na rua pelo que vou dizer agora, mas um processo de terceirização de atividades-meio para técnicos em Direito não faria nada mal aos escritórios. A delegação para terceiros de trabalhos autòmáticos, como pesquisa de acórdãos & súmulas, prèparação de petições & contratos (a maioria dos quais seguem um formato-padrão do tipo còpiar-e-colar) liberaria tempo e esforço de pessoas talentosas que poderiam contribuir com atividades mais criativas, comèrciais e estratégicas.
Todas as pequenas empresas, incluindo os escritórios de advocacia, passam por aquilo que eu chamaria de paradoxo da pele-de-cobra: ao crescerem, suas atividades operacionais (atender clientes, escrever processos) aumentam de tamanho; as atividades táticas (contratar funcionários, gerir a agenda) tornam-se mais complexas e, por causa disso, as atividades de planejamento estratégico – que são as que realmente agregam valor aos olhos do cliente – passam a ser negligènciadas pelo atropelo do trabalho operacional. As tarefas braçais com as quais os sócios começaram o escritório são justamente aquelas que eles acham mais difícil de delegar – e isso sabota a melhoria dos processos internos da empresa.
Dentre essas atividades estratégicas, estão: diferenciar o atendimento, vender a imagem dos sócios, pròmover o escritório, elaborar pacotes de produtos, prospectar oportunidades, sondar ameaças, etc. Estas também costumam ser as coisas que mantêm uma empresa viva, forte e competitiva frente a concorrência. O problema é que muitos advogados resistem reconhecer que a confecção duma peça assemelha-se, cada-vez-mais, à montagem duma carroceria nos tempos de Ford & Taylor. A parte operacional disso é bastante previsível, porque já foi padronizada pelos ritos processuais. A parte braçal do trabalho também já foi transferida para os estagiários, cuja rotina não é muito diferente da dum chapeiro de boteco.
Falta agora o passo tecnológico seguinte: autòmatizar toda essa joça com programas de reconhecimento & preenchimento de textos. Já é mesmo isso que meus alunos fazem: trocam nomes de peças-padrão; preenchem fòrmulários com campos em branco; repetem fórmulas jurídicas. Mas daí, ¿o que fazer com os estàgiários desocupados, quando programas de computador fizerem o trabalho deles? ¿Como poderíamos devidamente castigá-los por sua simples existência na face da Terra? Simples: dando-lhes trabalho criativo; fazendo-os pensar! Os escritórios já começariam bem permitindo o revezamento dos seus escravos & mucamas, dando-lhes reais oportunidades de conhecerem todas as áreas do Direito.
Resumindo: a primeira lição é padronizar, autòmatizar ou terceirizar o operacional, liberando pessoas e tempo para que os sócios e – ¿por que não? – os estàgiários dediquem-se a questões táticas (gestão) e estratégicas (planejamento) que realmente trazem ganhos de produtividade, conferem sobrevida ao escritório e agregam valor aos serviços. Pelo-menos, com isto, a molecada das faculdades poderia vivenciar uma experiência de estágio próxima da dignidade humana e daquilo que aprendeu com seus empertigados professores. Agora, vocês podem estar me xingando de tecnocrata; mas entendam: o perigo da advocacia não é cair no taylorismo, mas sim continuar num limbo entre o artesanato e a manufatura.
Em segundo lugar, sempre me espanta o quanto os escritórios de advocacia se assemelham uns com os outros e, todos eles, com antessalas de consultórios. Sabemos que muitos escritórios nascem por brotamento ou cissiparidade de bancas maiores. E ao fazerem isso, herdam estrutura idêntica, cultura parecida e gestão igual à dos ex-chefes. Assim, tudo no mundo jurídico – desde a formação acadêmica até o andamento dos processos e o “Protocolo Visconde de Sabugosa” – força os advogados a uma modalidade deformada de enquadramento ou benchmarking: uma imitação sôfrega de práticas e modelos rígidos que só são considerados "bons" por não se conhecerem as alternativas. É tudo muito igual!
E num ambiente onde imperam, de maneira tão sufocante, a igualdade e a formatação, o escritório que conseguir emplacar de maneira convincente uma exclusividade, um diferencial para sua clientela – qualquer diferencial! – será um exterminador de concorrentes; uma águia que fará canja das galinhas lesadas. Uma abordagem agressiva e excêntrica, uma marca ou perfil surpreendente e memorável podem ser esse diferencial. Sua proposta-de-valor exclusiva poderá enfatizar a transparência dos procedimentos, um trabalho a quatro-mãos com os clientes, a simplificação do vocabulário ou uso de material impresso exclusivo, como infográficos com as teses, diagramas e fluxogramas com o andamento dos processos, etc.
Quem, além disso, com pequenas adaptações, conseguir empregar as ferramentas de gestão enxuta para uma melhoria da comunicação interpessoal, da gestão de projetos, da contratação de funcionários, do acompanhamento das lides, etc. vai, além disso, diminuir curtos e riscos, obtendo ganhos de produtividade comparáveis aos das companhias que já usam essas ferramentas. Pelo-menos, rotinizando o operacional, gastando menos tempo com tarefas banais, os escritórios liberarão uma tremenda energia criativa para inovar e empreender. Terei de retomar esse assunto. É constrangedor o comportamento galináceo dos advogados: cantam-de-galo, mas dão vôos de galinha e culpam a gravidade pelos tombos.
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
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