CAPÍTULO 30: O SUBMUNDO SEM ROMANTISMO DO EMPREENDEDORISMO
- Fernando Rogério Jardim
- 29 de fev. de 2016
- 5 min de leitura
Conheça o lugar onde você chora e o cliente não ouve.

Olá, servos-da-gleba! ¿Como têm passado sem ferro-de-passar e andado com essa perna manca? Sabem... o mais legal das crises é que você percebe que elas estão terminando quando percebe que elas estão piorando. A má notícia é que a nossa crise ainda não piorou o-bastante. Aguardem! E por falar em mundo pior, nas três semanas passadas, eu tratei aqui da relação duplo-cega entre advocacia e comportamento empreendedor. Eu lamento ser forçado a mudar de assunto, pois ontem acordei com uma cabeça de cavalo ao lado da cama; e sábado um paralelepípedo atravessou minha janela. Embrulhado no pedregulho, estava um papel, onde se lia a simpática mensagem: “morra, veado!” Isso é o que dá meter-se com a máfia. Mudemos de assunto! Começarei a tratar das modalidades que eu considero desaconselháveis de empreendedorismo – como a venda por comissão e a franquia.
Imaginemos o mercado-de-trabalho como uma cidadela mèdieval. No alto da colina, avista-se o castelo inexpugnável & maravilhoso das “firmas-de-marca”, das corporações multinacionais. Protegido por fossos e muros, por guardas e portões, por secretários e assessores, o castelo do senhor oferece fortunas mil àqueles que forem aceitos dentro dos seus limites: um sobrenome corporativo, um plano-de-saúde, um salário definido, uma sala ou baia, uma posição na hierarquia, direitos e garantias, benefícios trabalhistas, uma carteira assinada, um crachá e alguma dignidade – periòdicamente esculhambada pelos chiliques do suserano. Ok. Você – o funcionário, o servo-da-gleba – em troca de quarenta horas semanais, consegue alguma segurança contra os bárbaros do desemprego e do subemprego, contra os fantasmas e as feiticeiras que se escondem na floresta tenebrosa. ¿Que tal? Parece uma troca justa.
Mas não é fácil ser aceito dentro dos limites da cidadela. O senhor feudal exige obediência e submissão absolutas aos seus caprichos. Inclusive, os servos-da-gleba são recrutados conforme sua maior ou menor disposição a obedecer às ordens cretinas que recebem. Pior: parte desses caprichos e ordens cretinas são impostos ao senhor feudal por forças externas à sua própria vontade – o monarca-mercado e o pontífice-governo. O último, inclusive, é assessorado por servos próprios, que não prestam-contas a ninguém. Escolhidos por um estranho processo cabalístico chamado concurso, os servos do pontífice-governo têm até o poder de cagar-regras sobre a administração e o funcionamento internos da cidadela. De-dentro do castelo, homenzinhos prèocupados, chamados executivos, ditam ordens aos servos-da-gleba para que satisfaçam o monarca-mercado e obedeçam o pontífice-governo.
Porém, o mais legal vem agora. O maior sonho dos servos-da-gleba é serem pròmovidos a executivos. No pântano fedorento onde trabalham, vergados sobre suas charruas e enxadas, eles admiram o castelo no alto da colina e sonham em ser um daqueles homenzinhos enfezados, que andam dum lado para o outro e cagam-regras. Ah, como seria bom vestir-se como paquito e saborear algumas migalhas de autoridade! “Demitam aquele lacaio petulante! Mandem-me o relatório de outubro! Empalem aquele estàgiário! Cortem a cabeça de todos!” O único problema é que o número de executivos é limitado; e a-menos que o mercado-monarca e o pontífice-governo permitam que o castelo cresça, não haverá novas promoções num futuro próximo – nem distante. E assim, os servos-da-gleba continuam arrastando suas charruas e golpeando suas enxadas. Pois há lugar pior do que esse: a floresta bárbara & sombria!
Trata-se dum espaço virgem & sinistro – como uma velha torta – situado a léguas do castelo e para além dos limites da cidadela, cercado de histórias horríveis de pessoas que para lá foram e jamais retornaram; ou retornaram falidas e malucas, irreconhecíveis e traumatizadas. A floresta bárbara & sombria é para onde vão os que desejam enriquecer depressa ou se libertar da opressão do senhor-feudal. É um lugar com tantos perigos como promessas e fascinação. Dizem que muitos espíritos malignos vagam por ali; que bruxas fazem seus rituais macabros com os tapados que por ali se perdem. Todos os que segredam sua admiração pelo lugar são enfàticamente ridìcularizados. “¿Você ficou louco?” – exclamam. “¿Você comeu merda?” – perguntam. Para os servos-da-gleba, acostumados à proteção das muralhas e hipnotizados com a perspectiva de promoção, a atração pela floresta bárbara & sombria é uma loucura.
Porém, quem volta vivo, rico e só um pouquinho seqüelado da floresta bárbara & sombria é chamado de guru pelos habitantes da cidadela, sendo por eles admirado e invejado como um herói, dotado poderes ocultos para conjurar os fantasmas e as macumbas. Eles retornam de lá contando mil aventuras: as coisas que viram, as façanhas que realizaram, etc. Os senhores-feudais os detestam, porque os encaram como uma péssima influência aos servos-da-gleba. Essas idéias! Por outro lado, o medo do oculto – do sofrimento, da humilhação – reconduz todos à árida realidade. É melhor pensar, afinal, que os que fogem para a floresta são malucos; ou pessoas dalguma forma especiais. Pois bem! À essa altura da estória, os leitores já devem ter entendido: a floresta bárbara & sombria é empreendedorismo – seus riscos, custos, medos, prazeres e perigos. Vejamos então aonde eu quero chegar com isso.
Resumindo: o castelo elevado guarda os tesouros dos executivos – uma vida com prestígio, salários, conforto e segurança. Há as autoridades governamentais sem rosto, que imperam às escondidas. Abaixo, os servos-da-gleba são os funcionários subordinados do baixo-clero que ànseiam por uma pròmoção, enquanto penam em tarefas braçais, operacionais ou desqualificadas. Mas há também a floresta bárbara & sombria, logo acolá: a liberdade é sua sedução, a autorrealização do empreendedor. Isso é para os poucos e os loucos. ¿Falta alguma coisa? Sim, falta! Reparem: na base da muralha do castelo, vive uma gente maltrapilha e empobrecida. ¿São andarilhos? ¿São refugiados? Não sabemos se são executivos expulsos do castelo ou simplesmente càndidatos que não conseguiram entrar nele. Talvez ambas as coisas. Cheguemos mais perto deles! Observemos como eles vivem!
Em tendas que circundam as muralhas, algumas dessas pessoas vendem aos servos-da-gleba bugigangas de catálogos, em troca de comissões que recebem dos executivos. As bugigangas revendidas são de marcas famosas dentro do castelo. As pessoas que exploram esses negócios são chamadas de representantes ou revendedores. Capilaridade e penetração são as vantagens que elas oferecem aos executivos, donos das marcas. De tempos em tempos, contudo, surgem marcas novas, criadas pelos homens da floresta que voltaram vivos e ricos – os empreendedores. O povo das tendas tem o direito de vender os produtos ou prestar os serviços dessas marcas, desde que não lhes faça nenhuma alteração e paguem aos seus criadores 15% do lucro obtido. Os homens que retornam da floresta chamam esse estranho negócio de franquia. Parece que isso dá muito lucro – para quem teve a idéia inicial.
Estamos, portanto, numa espécie de limbo entre o profissionalismo e o empreendedorismo. É aí que encontramos as modalidades menos autônomas e lucrativas de microempresas. São pessoas que “compraram seu emprego” sob a forma de franquias ou revendas por comissão – algumas bem parecidas com esquemas-de-pirâmide. Aliás, é bastante controverso se podemos chamar esses “empreendimentos” de “empreendedores”, uma vez que não há neles o fator risco assòciado aos modelos-de-negócio inéditos. Quem abre uma franquia, não cria um modelo-de-negócio novo. Quem revende um catálogo, não oferece uma inovação. Riscos baixos, lucros baixos – e com o inconveniente d’o único valor oferecido ser sua penetração e capilaridade. Traduzindo: você é só um atravessador. Bem-vindos, leitores, aos porões escuros do empreendedorismo – um universo que exploraremos melhor nos próximos capítulos.
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
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