CAPÍTULO 36: AMBIENTES DE INOVAÇÃO: O VALE DO SILÍCIO E A VALA DO CINISMO
- Fernando Rogério Jardim
- 11 de abr. de 2016
- 5 min de leitura
Eu tenho péssimas notícias para você e seu lindo diploma!

Olá, deslumbrados dos alambrados! ¿Como vai essa síndrome do brilho-nos-olhos? Hoje, quero lhes falar sobre os ambientes de inovação — um lugar tão distante das universidades brasileiras quanto a sonda Voyager 1 está do meu nariz. Falando nisso, no começo do universo, houve pontos no espaço-tempo em que a mantéria se resfriou e se condensou o-suficiente para que a gravidade fizesse seu trabalho e juntasse as partículas que, depois, deram origem às estrelas, aos planetas, às galáxias. O milagre mesmo foi a primeira semente: o primeiro aglomerado de matéria a formar aquela còncavidade gravitacional no espaço-tempo capaz de escorregar para dentro de si os demais bocados de matéria. A partir daí, não carece fazer mais nada. Cada novo grão de matéria que se agrega é o ímã que atrairá o próximo milhão, bilhão, trilhão de toneladas em expansão.
Assim também são os ambientes de inovação: uma universidade boa, um pioneiro bem-sucedido, um agregado de empresas de tecnologia, uma infraestrutura aproveitável ou apenas uma equipe de malucos lançam as primeiras sementes. Criam-se daí sinergias, parcerias e externalidades aproveitáveis — subprodutos da atividade livre desses aventureiros. É isso o que nutrirá e facilitará a vida dos futuros entrantes. Cria-se depois uma rede informal de talentos selvagens. Dentro dessa rede, os bens (informações, apoios, idéias, contatos) são produzidos e consumidos coletivamente. Cada novo membro aumenta a quantidade dos bens disponíveis na rede, aumentando igualmente a vantagem de se ingressar nela. Este é um fenômeno análogo àquele que alimenta as estrelas e as redes sociais: o poder de atração do ambiente cresce com seu número de elementos.
Daí acontece um milagre: a massa-crítica de recursos contidos na rede explode numa cultura startup com idèntidade própria, autônima e orgulhosa de si. Há traços típicos nessa cultura: paixão pelas idéias, vitalidade intelectual e compromisso. É um ambiente de paradoxos: dum lado, a abertura à novidade e a densidade de recursos; do outro lado, a informalidade e a excentricidade, combinadas com uma disciplina inflexível e uma mèritocracia hidrofóbica. Trabalha-se muitíssimo, porque se trabalha com paixão — e aqui estamos a anos-luz do burocrata acadêmico, que substitui a criação de valores por emissão de gemidos, como prova de que "trabalha bastante". A abertura para a diversidade é um sincero abraço àquilo que gera descobertas e surpresas — albo bem diferente do ativista filisteu, cujo compromisso com a diversidade só lhe rende curtidas no Facebook.
Resumindo: disciplina de executivo com excèntricidade de artista maldito; informalidade de sandálias havaianas com mètitocracia de gravata & sapato; densidade de recursos valiosos com abertura para novidades emergentes; combate ao risco com tolerância ao fracasso; paixão sincera pelo que faz com desleixo orgulhoso com todo-o-resto; ambição explícita com clima lúdico. Em poucas linhas, eis aqui tudo-tudo-tudo o que as universidades brasileiras mais detestam & combatem. Nosso ambiente acadêmico, ao contrário dos ambientes de inovação, são tumbas a céu-aberto, esperando as aves carniceiras. O clima pesa & fede. São reinos de realizações fakes e de intelectuais posers; são territórios recobertos por uma morna preguiça-de-repartição, coroada por um formalismo vagabundo usado para justificar aquela mesma preguiça-de-repartição. Eis o vale do cinismo.
Nem passa pela cabeça de muitos docentes que eles poderiam despertar gênios ocultos: estão ocupados demais formando "militantes" e "coletivos", mantendo seus carguinhos e despachando burocracia redundante. Mostre-me alguém que ainda não se entregou ao desencanto nesses ambientes, e eu lhe mostrarei uma aberração. E nem passa pela cabeça de muitos alunos que eles poderiam aprender algo útil ali: estão ocupados demais socializando, mantendo-se longe das vistas dos pais e sonhando, excitados, com um emprego público graças ao qual poderão nunca-mais trabalhar. ¿E o fetiche do diploma, hein? — o correlato repùblicano do título-de-nobreza. É irônico, aliás, que o mesmo diploma que certifica uma suposta capacidade profissional sirva de passaporte para o ingresso numa carreira onde essa mesma capacidade nunca será usada!
Mas não se prèocupem: a universidade brasileira é consciente e ogrulhosa da sua irrelevância e inùtilidade. Muitas delas estão dispostas a defender contra tudo & todos seu direito ao nanismo mental & moral. Nas últimas quatro décadas, elas se tornaram universos parelelos governados por ideologias. O problema é que as ideologias não são descrições da realidade; são delírios coletivos a-respeito dum mundo futuro, usados para perturbar o mundo presente e inocentar por antecipação as atrocidades cometidas em nome disso. Daí decorre que as universidades brasileiras, sendo incapazes de interpretar o mundo (porque lhes faltam os intérpretes honestos) e sendo incapazes de transformar o mundo (porque lhes faltam os líderes dignos), servem apenas para torrar o dinheiro e a paciência do respeitável público com teorias cretinas e, não raro, criminosas. Taí o petismo...
Sim: eu trabalho nessa coisa chamada universidade e tenho quatro diplomas entregues por elas. Tenho de engolir calado, mastigando a concordância, as falas de empreendedores multimilionários, abanando seus dólares e dizendo: "nunca cursei faculdade" ou "nunca concluí faculdade". ¿Mas por que? Porque não lhes foi preciso, oras! Porque os bancos escolares não lhes ensinariam nada de útil. O que é útil, pràticável e desejável, as faculdades não ensinam; e o que as faculdades ensinam não é útil, nem pràticável, nem desejável. Daí concluímos que: 1) esses prètensos berçários de líderes vêem líderes pipocando fora deles, enquanto seus próprios filhos encarnam personagens canastrões em teatrinhos do sucesso; e 2) essas magníficas formadoras de mão-de-obra qualificada botam no mercado profissionais cuja qualificação o mercado teima em rejeitar. Maldito seja o mercado!
Mas o que mais me impressiona nas universidades brasileiras é o cinismo: um cinismo que baba & late de satisfação consigo-mesmo; um cinismo que nem se esforça em evoluir para a hipòcrisia (o elogio que o vício presta à virtude). Esse cinismo se expressa num orgulho da preguiça, numa satisfação com a esperteza, numa tolerância com a medìocridade — justificada pelo coitadismo pedagógico freireano. "Ah, tadinho! ele chega atrasado e baba nas aulas porque trabalha! Ah, tadinho! ele cola e falsifica a assinatura porque é uma vítima da sociedade capitalista!" Debaixo dessa camada de cinismo, encontramos ainda: 1) nas faculdades privadas, a visão rentista e tacanha de grupos educacionais compostos de mercenários sustentados pelo BNDES; e 2) nas faculdades públicas, a fedentina comunista de revolucionários de churrascaria pendurados em carguinhos gordurosos.
Resumindo: as universidades brasileiras são um ambiente tão antipático à mèritocracia e tão estèrilizador da criatividade, que meu real espanto não é com a quantidade irrelevante de empreendedores que dali saem, mas com a simples sobrevivência de empreendedores ali. Não pensem, leitores, que me foi fácil escrever este capítulo. Não foi! Sou uma cria da universidade brasileira; devo-lhe algo do que sou e sei; e fico incòmodado com o orgulho lulista de alguns empreendedores com sua própria incultura. Mas o fato é que, enquanto o Vale do Silício teve como catalizadora e mùltiplicadora a Satanford University, falta ao Brasil qualquer coisa parecida em qualquer lugar mapeável. Tenho para mim, aliás, que no dia em que os contribuintes descobrirem para quê servem as universidades brasileiras, eles as invadirão e destruirão ao som de berros guturais. Transformarão o nada em nada.
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
Comments