DICA DE LEITURA 27
- Fernando Rogério Jardim
- 20 de abr. de 2016
- 4 min de leitura

Olá, agentes da passiva! Como vai esse objeto direto? Sabem... eu sou um indivíduo prèvisível. Até as postagens deste blog têm programação. E uma das coisas que eu já disse aqui -- e repetirei até o fim dos tempos -- é que uma grande empresa poderá a aprender muito com a forma de gestão duma startup. Dentre outras coisas, ela poderá aprender a como deixar as coisas enxutas, a economizar recursos sovinamente como se seus funcionários vivessem num gulag (às vezes, nem é preciso fazer-de-conta). Outra lição importante é como preservar a flexibilidade e a informalidade para que as idéias novas fluam, para que a inovação e o improviso não sejam soterrados pela burocracia. Por fim, uma startup é uma empresa iterativa e interativa. Iterativa porque tenta, falha, aprende depressa e se arrisca em produtos e serviços inéditos. Interativa porque está sempre em contato com seus clientes, prospectando suas necessidades. Uma empresa que conseguisse aliar o poder político e os ganhos-de-escala duma grande holding e a porralouquice aberta & fluida duma startup, seria imbatível. É uma pena que, no-mais-das-vezes, essas duas características sejam antagônicas, e o crescimento duma firma seja acompanhado duma mutação não apenas quantitativa, mas também qualitativa.
Mas ora: o contrário também é possível: os diretores das startups e os empreendedores de primeira viagem também têm muito a aprender com as biografia corporativa das grandes empresas. É bom saber o que acontece com uma òrganização quando a polìticagem, a burocracia kafkiana, a ineficiência, o desperdício, a preguiça, a modorra e alguns desvios de caráter entram em cena para divertir a garotada. Pois muito que ótimo! Eu já lhes recomendei aqui vivamente a sensacional tetralogia do James Collins — Empresas feitas para vencer, Vencedoras por opção, Feitas para durar e Como as gigantes caem. São obras-de-arte (algumas já resenhadas aqui) de pesquisa & redação; são clássicos que devem constar nas estantes de todos os empreendedores. Vai nessa linha a dica de leitura desta semana: Aventuras empresariais: doze histórias reais do mundo corporativo, de John Brooks. Diferente d'os livros de James Collins, Brooks não teoriza nem oferece soluções para as empresas. Sua prèocupação não é com a estrutura, a estática ou a dinâmica das òrganizações, e sim com o comportamento e a personalidade dos indivíduos estudados. Enquanto Collins é um cientista didático e prático, Brooks é um cronista social venenoso e perspicaz. Mas não espere por ferramentas e diagnósticos neste livro.
Aventuras empresariais é composto por doze capítulos que, a se julgar pelo estilo, temática e interesse, não foram escritos na mesma época. A primeira edição deste livro é de 1959; e a última edição (que imagino ser definitiva) é de 1969. Nesse período de dez anos, Brooks coletou uma delìciosa série de crônicas sobre o universo corporativo -- abordando desde especulações financeiras até o desenvolvimento de automóveis. Devo confessar que a qualidade dos capítulos é muito desigual: alguns são page-turners que vão deixá-lo vidrado; outros são capítulos tèdiosos, com fofocas miúdas e montes de dados. Destaco o capítulo 1 (págs. 14-45) sobre uma bolha especulativa inexplicável (1962), para a qual o autor idèntifica causas psicológicas e efeitos-de-manada. Apesar da avalanche desnecessária de números e detalhes, este é um excelente capítulo. Outro que vale a pena é o capítulo 2 (págs. 46-116), que conta a zabumbada e malfadada trajetória do automóvel Edsel, da Ford. Trata-se aqui dum contra-exemplo bem ilustrativo do modelo da startup enxuta, quer dizer: leia este capítulo e aprenda tudo sobre o que não fazer no planejamento e lançamento dum produto no mercado. Ou, dizendo doutra maneira: aprenda com o Edsel a como criar expectativas e frustrá-las miseràvelmente.
O capítulo 4 (págs. 176-212) trata da especulação financeira em torno duma mineradora cujos executivos detinham e sonegaram informações privilègiadas sobre as dimensões das jazidas. A narrativa é sensacional. Ao lado das questões éticas sobre a sonegação estratégica de informações, o autor aborda as tentativas do Estado disciplinar a informação e a concorrência empresàrial. O capítulo 8 (págs. 320-353), talvez o melhor do livro, conta a história de Clarence Saunders (1881-1953) — um caipira de Menphis, fundador da rede de lojas Piggly Wiggly — que conseguiu (no início, sem querer) aplicar uma lição em Wall Street. Depóis desse capítulo, o livro de Brooks não atinge mais nenhum clímax narrativo. O autor intercala detalhes de tempo, espaço e pessoas — incluindo citações de terceiros e narrativas paralelas intercaladas com o eixo central da história. Isso nos ajuda a construir um cenário mental dos fatos e cria também um efeito cinematográfico interessantíssimo. Porém, o livro peca pela desnecessária e desesperadora quantidade de números, dados, datas, nomes, detalhes sórdidos, diálogos de bastidores, etc. que, além de inúteis, torram o saco do leitor. Mesmo-assim, este é um grande livro, com o qual você poderá aprender um bocado sobre o lado negro da força: os jogos duros do mercado vistos de-dentro.
BROOKS, John. "Aventuras empresariais: doze histórias reais do mundo corporativo." Rio de Janeiro: Best Business, 2016. 574 páginas. R$ 62,90.
DEPOIMENTOS:
"Sempre se aproveitará algo das empresas: se elas não oferecerem bons produtos e serviços, ao-menos oferecerão bons processos e histórias."
Professor Belisário Coisiquinha, analista de sistemas e dedetizador.
"Aventuras empresariais brasileiras, não raro, são também políticas e policiais. Têm enredo de folhetim, cenário de chanchada e personagens de opereta."
Doutora Valentina Vicace, cantora, cenógrafa e consultora estratégica.
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