CAPÍTULO 38: UBERIZAÇÃO: NINGUÉM FAZ IDÉIA DE QUEM VEM LÁ
- Fernando Rogério Jardim
- 25 de abr. de 2016
- 5 min de leitura
Descubra o que as tecnologias mais zabumbadas da atualidade têm em comum.

Olá, equinodermos & celentedados! Lembrem-se de que na semana passada eu havia escrito um capítulo sobre certas características que as tecnologias atualmente promissoras costumam ter. Eu havia falado sobre a eliminação dos intermèdiários (a desintermèdiação) que a Internet permitiu, ligando diretamente ofertantes e demandantes. Bàsicamente, a Internet e tudo o que ela trouxe são tecnologias para a eliminação dos tiozinhos da repartição. Eu havia dito que, ao transformar filmes, fotos, música e textos em dados digitais, esses conteúdos acabaram se tornando, por isto, convergentes & conversíveis, libertos dos seus invólucros materiais: a fita, o papel, o disco e o livro. Agora livres, estes dados também se liberaram dos agentes que pròmoviam seu intercâmbio. Não é à toa que as locadoras, as bibliotecas, as faculdades, as gravadoras, as livrarias e as editoras tiveram seus modelos-de-negócio totalmente destruídos ou radicalmente modificados depois da Internet.
A libertação dos suportes matèriais e o assassinato dos intermèdiários leva-nos ao segundo traço comum que quase-todas as tecnologias atualmente zabumbadas têm: elas são tecnologias da mòbilidade. Pense na fàcilidade de transportar hoje uma biblioteca, vìdeoteca ou discoteca no espaço reduzido dum dispositivo eletrônico. Foi isto o que prometeram & entregaram o Kindle da Amazon e o iPod, iPad, iPhone, iCloud e iTunes da Apple. E reparem: neste último caso, não se trata apenas duma tecnologia isolada, mas dum verdadeiro ecossistema tecnológico ou tecnosfera que, de certa forma, enredou seus clientes dóceis nas teias fechadas dum negócio-aranha. Pense ainda na fàcilidade & còmodidade de acessar seus arquivos remotamente, atualizá-los maneira automática e colaborativa, compartilhando-os com quem você quiser, sem a necessidade de drives e discos com vírus. Este é o fundamento das tecnologias de dados em nuvem, como o Dropbox e similares.
Acrescente-se a isto mais uma vantagem: a transparência. Suponhamos que você esteja procurando um imóvel para alugar ou comprar. Num passado próximo, o corretor enrolá-lo-ia com lero-lero sobre a localização, a capacidade de valorização, a idòneidade da construtora, etc. Você talvez fecharia o negócio com vários pontos de penumbra e incerteza, com insuficiência de informações; e o outro lado deteria o controle das cartadas mais importantes, devidamente sonegadas. Você estaria em flagrante desvantagem na negòciação. Hoje, porém, o imóvel aparece com endereço e fotografia na Internet. Entrando no Google Earth, você poderá fazer um passeio virtual pelo bairro, verificando quantos inferninhos, botecos risca-faca, biqueiras da cracolândia ou pontos sujeitos a enchente existem na região. Você poderá comparar preços de imóveis similares, verificar quantas reclamações a construtura ou a imòbioliária tem nos sites de reclamação. A transparência hoje é total!
Com sorte, você poderá até falar diretamente com o pròprietário do imóvel pelo Facebook, pedalando a imòbiliária. Os vários sites e aplicativos de compras coletivas, leilões virtuais e comparação de preços & ofertas revolucionaram completamente a maneira de comprar, dando ao consumidor conhecimentos, argumentos e poderes-de-barganha inauditos. Os vendedores e marqueteiros precisaram ràpidamente se reinventar: não há mais tantos otários como outrora — e a população dos otários restantes têm diminuído e se refùgiado nos cercadinhos eleitorais. Diante dum preço que ele desconfiar ser insultuoso, o cliente sacará seu cèlular e, em menos de dez minutos, esfregará — triunfante — na fuça do vendedor uma oferta mais barata da concorrência. O cliente não precisa mais ter razão; hoje ele tem uma coisinha mais poderosa: a informação! Virtualização, convergência digital-virtual, miniaturização, mòbilidade e transparência — numa palavra: o nome disso é poder!
Calma, leitor! A pitomba ainda não desceu todinha. Talvez não haja fenômeno mais expressivo da última década que as redes sociais. A quantidade inabarcável de dissertações, monografias, teses e artigos escritos sobre o assunto ainda dará muito trabalho a essas criaturas tão ocupadas que são os filósofos & os sociólogos (ironia). Mas o segredo do sucesso que jaz no âmago desse fenômeno das redes sociais é raramente mencionado por essa turminha do barulho que se amarra em drogas ilícitas. O segredo chama-se efeito-de-rede. É muito simples. Pergunto a vosmecê: ¿qual seria a vantagem de ser o orgulhoso proprietário do primeiro telefone? Bom... Nenhum! — considerando que você não teria ninguém mais para quem telefonar. Mas a vantagem de se possuir um telefone aumenta diretamente, conforme aumenta também o número de pessoas que possuam esse aparelho. Com as redes sociais dá-se o mesmo — e é isso o que lhes confere escalabilidade.
A escalabilidade é a pròpriedade duma tecnologia ganhar escala, replicar-se e espalhar-se como uma epidemia, viralizando e crescendo com base num motor interno de expansão, dispensando a intervenção constante do seu criador. Repare: as tecnologias atualmente mais bem-sucedidas são replicáveis e baseiam-se em ganhos-de-escala. Este fenômeno é fàcilmente observável com as redes sociais; mas qualquer tecnologia cujas vantagens de uso aumentam conforme o número de usuários tende a criar uma massa-crítica de expansão. O risco aqui não é d'o negócio morrer de inanição, mas sim de congestão, com a incapacidade d'o empreendedor dar-conta do recado. Por isso, negócios propensos a efeitos-de-rede e ganhos-de-escala devem ser precedidos dum minucioso planejamento envolvendo o atendimento, estoques, logística, canais-de-vendas, entregas, devoluções e problemas técnicos — tudo para a cerveja não entornar do copo. (Se beber, não empreenda).
¿Acabou? Não; só acaba quando piora. Outra característica interessante das tecnologias modernosas é aquilo que eu chamo de Efeito Seu Nonô. Suponhamos que meu carro esteja livre às terças e sextas, das 19h às 23h. Suponhamos que meu GPS — comprável em qualquer espelunca xing-ling — torne-me um tàxista em potèncial. Suponhamos ainda que um aplicativo do balacobaco ligue esta oferta de carona com uma potèncial demanda. Bingo! ¿E por que não fazer o mesmo com o quartinho alugável que você tem em casa, esperando pela alta temporada; com as vagas òciosas na garagem do condomínio, pedindo para serem ocupadas; com as máquinas encostadas na obra, que poderiam ser alugadas por um bom preço? É assim que funcionam o Airbnb e o EasyQuarto. Uma avalanche de aplicativos já apareceram tendo como base esse princípio: o aproveitamento microscópico, máximo e ótimo de recursos òciosos que, sem a Internet e os cèlulares, estariam invisíveis ao mercado.
Essa, leitor, é a essência daquilo que eu denomino uberização: para cada problema idiota criado por um burocrata ladravaz ou por um sìndicato màfioso, há uma tecnologia-guerreira a massacrar o Dragão da Maldade. Outro aspecto dessas tecnologias que tem tudo-a-ver com a forma pela qual as startups desenvolvem suas inovações é a cocriação. Metodologias de design thinking e projeto assistido pelo cliente envolvem a participação dos usuários logo nas primeiras fases da concepção da proposta. A idéia é criar um produto ou serviço contendo exatamente as características desejadas e manifestas pelos clientes, de modo a atingir na-mosca suas dores e desejos, eliminando toda complexidade que não gerar valor. Pensando nisso, aplicativos consagrados como o Office já se renderam às funcionalidades colaborativas, por meio das quais eu poderei elaborar ou modificar uma planilha, documento ou apresentação com meu colaborador, observando as alterações enquanto são feitas.
Por fim, um mercado saturado de mercadorias formatadas cria, em contrapartida, uma necessidade de diferenciação, de customização. Doravante, ao desenvolver um produto ou serviço, eis uma coisa que você deverá considerar: ¿minha inovação é customizável, é conversível às esquisitices dum consumidor cada-vez-mais personalista e demandante de exclusividade, cada-vez-mais ànsioso por ser ele-mesmo? ¿Até quê ponto pequenas alterações de projeto permitirão oferecer a este cliente-ele-mesmo uma mercadoria tipo transformer? Pense nisso, leitor: um negócio com grandes chances de sucesso na nova economia dos saberes & lazeres deverá se basear na desintermèdiação, na escalabilidade, na pulverização, na mòbilidade, no enxugamento, na transparência, no aproveitamento de recursos antes invisíveis, na cocriação e na customização. Eis as características que observamos na maioria das inovações zabumbadas da atualidade. Imite-as! e boa sorte.
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
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