CAPÍTULO 39: PLANOS-DE-NEGÓCIO: ESSA LITERATURA DE FICÇÃO RUIM
- Fernando Rogério Jardim
- 2 de mai. de 2016
- 5 min de leitura
Um plano-de-negócio garantirá seu sucesso com a mesma certeza de que uma certidão-de-casamento garantirá sua fidelidade.

Olá, efemérides e amenidades! ¿Como vão? Eu — não sei se vou. Este blog de meu-deus vem abordando há mais de seis meses muitos temas periféricos & prèliminares sobre empreendedorismo e microempresas. O objetivo desses capítulos seqüènciais é discorrer com mais vagar sobre problemas de bastidores que, por seu viés interdisciplinar e multifacetado, precisam dum espaço maior de texto para discussão. Eu costumo deixar para a seção de postagens-relâmpago as dicas mais urgentes e utilitárias. E por falar em postagem-relâmpago, na semana retrasada, ah... eu escrevi uma postagem (clique) descendo a chupeta nos planos-de-negócio — aquele tèdioso gênero ficcional (uma ficção ruim, aliás) no qual nossos empreendedores se especializaram. (Planos-de-negócio disputam, em matéria de cansaço, com a legislação tributária e os TCCs dos meus alunos).
Tenho motivos de-sobra para lhes desaconselhar maternalmente a elaboração desses documentos tão graves quanto inúteis. Entretanto, por desencargo de consciência (sim, eu tenho uma dessas), nas próximas semanas, ensiná-los-ei a elaborar um troço desses — um plano para seu negócio, com todo o charme & veneno da empresa brasileira. Antes, porem, é preciso que vocês — oh cinco ou seis leitores do blog Start-Aspas! — saibam o que é, para quê serve, a quem se destina e quem precisa dum plano-de-negócio. Pois a necessidade de planejamento é uma das ladainhas mais repetidas deste nosso meio (e com razão). O que poucos dizem, porém, é a que nível de detalhamento e profundidade você deverá levar seus lindos planos; e que armadilhas há num planejamento exagerado. Vejamos, queridos.
Para começo de conversa, uma startup não precisa, não pode ter ou não tem tempo de elaborar um plano-de-negócio — o qual, para ser digno deste nome, precisaria dumas cinqüenta ou setenta páginas. Vamos por partes. Você não precisará dum plano-de-negócio, a-menos que esteja pleiteando uma vaga numa incubadora ou um empréstimo junto a algum banco ou investidor individual (anjo ou de risco). Mas vá tirando sua cama-de-casal da enxurrada: bancos raramente emprestam para pequenos empresários iniciantes — pelo simples fato d' eles, muitas vezes, não conseguem satisfazer as exigências e garantias impostas pelas instituições bancárias tradicionais. Bancos são ricos porque são espertos; e são espertos, entre outras coisas, por saberem que gente como você... quebra!
Sem contar o alto risco envolvido nesses empréstimos... ¿Já ouviram falar em subprime? Pois bem: para a maioria dos bancos nacionais, o microempresário é o undergroud do subprime: alguém cujo corpo magro exala o cheiro fúnebre da falência. Investidores-anjo ou de risco, por sua vez, não são presenças muito marcantes no cenário startup brasileiro — e eles-próprios nutrem certa desconfiança sabichona dos planos-de-negócio, preferindo apostar mais na qualidade e na experiência dos membros da startup do que em planos supostamente mirabolantes. Por isso, se você pensa em escrever plenos-de-negócio para alguém, saibam que este alguém tem alguma chance de não estar interessado ou simplesmente não existir. Eis uma péssima maneira, portanto, de se perder tempo!
Devemos planejar para nós-mesmos, e não para os outros. Planos são mapas conceituais do território comercial que você deseja invadir; são promessas de realização e de disciplina para si-mesmo. Além-do-mais, a própria definição duma startup supõe uma empresa pequena, geralmente de tecnologia, que trabalha num cenário de dinamismo e incerteza. Por causa disto, é provável que seu plano: 1) torne-se obsoleto assim que receber o ponto-final; e 2) jamais consiga mapear todas incógnitas relevantes do mercado no qual você está ingressando. (Calma: esses detalhes também são desconhecidos para a concorrência). E é justamente a incapacidade de preencher tantas lacunas com dados concretos que tornam os planos-de-negócio peças de má ficção: um trabalho de estatística escrito por Poliana.
Eu tenho uma tese empresarial-demonológica: todas as vezes que um plano-de-negócio é terminado, o Diabo dá um beijo-de-língua no Acaso, e depois ambos riem. Experiência própria: eu e meu sócio — aquele-cujo-nome-nunca-será-revelado — já mudamos nosso modelo-de-negócio umas quatro ou cinco vezes: um software para cotejamento eletrônico de processos judiciais; um pacote de ferramentas estratégicas para escritórios de advocacia iniciantes; uma rede social que uniria empreendedores universitários e mentores; um site para o oferecimento de informações sobre emigração, residência e cidadania no exterior, etc. Se tivéssemos escrito um plano para cada idéia dessas, teríamos oferecido um banquete de trecentas-e-cinqüenta páginas às traças comerem... com o Diabo rindo.
Um dos mantras deste blog e, aliás, uma das bases do modelo de startup enxuta, é: comece pequeno e simples; teste depressa e várias vezes; envolva seus clientes no projeto desde o início; busque sobretudo feedbacks; quebre logo para perder pouco dinheiro. Se você não sabe exatamente para onde sua aventura vai dar (e admita: você não sabe), não vale a-pena viajar com pompa de primeira classe; viaje como mochileiro, como clandestino. ¿Entendeu a metáfora? Não compensa escrever um plano de viagem detalhado e, depois dessa faina, chegar ao destino e perceber que a paisagem é horrenda, que os nativos são hostis, que o clima é péssimo é que o país é defendido por seu lindo exército de insetos. Você só precisa mesmo duma idéia poderosa e sintética que contenha os elementos que eu citarei abaixo.
Primeiro, você precisará responder o quê vai oferecer: qual será sua oferta ao cliente; quê fàcilidades vai acrescentar ou quê difìculdades vai remover da vida dele? Segundo, você precisa definir quem é o seu cliente: quê grupo, nicho ou segmento-de-mercado seu produto ou serviço satisfará? Além disso, você deverá definir as formas pelas quais levará seu produto ou serviço a esse cliente; e como espera alcançá-lo e interagir com ele. Terceiro, você deverá definir como prètende fàbricar ou oferecer aquele produto ou serviço. Aqui entram os recursos, as atividades e as parcerias que o permitirão realizar seus planos malignos. Por fim: você deverá ter na ponta do lápis quanto toda essa brincadeira vai lhe custar e quanto você deseja cobrar por ela a seus esperançosos consumidores.
Mas há muito mais entre o plano e o cliente do que sonha vossa vã economia. Além dessas vàriáveis explícitas, há armadilhas escondidas às quais você também deverá se manter atento, pois elas poderão sabotar seu negócio em silêncio. São elas: processos judiciais (fábricas de escadas têm-nos aos montes), regulação do governo (setor energético, de transportes, de comunicações), normas técnicas (impostas pelos grandes players), terreno-minado por patentes (setor farmacêutico, setor automòbilístico), barreiras-de-entrada (monopólios, investimentos proibitivos), tecnologias disruptivas (aplicativos, nanotecnologia, informática), necessidade de infraestrutura (siderúrgicas, transportes), oceano vermelho (excesso de concorrência) e clientes-problema (crédito, serviços).
Se você foi capaz de responder com sacudida segurança essas quatro perguntas (o que, quem, como e quanto) e detectar algumas daquelas armadilhas escondidas, parabéns! você é o orgulhoso pròprietário dum modelo-de-negócio. Com isso, já é possível sair pelo mundo-afora, saltitante & lesadinho, arriscando seu pescocinho num novo negòcinho — que o governo destruirá com sua bunda gorda. Aliás, esse conteúdo que eu elenquei aí em cima nada-mais é que uma versão muitíssimo simplificada do model canvas, detalhado por mim na ferramenta estratégica 26 (clique). Pois muito bem! Mesmo tendo amaldiçoado e jurado vingança eterno aos planos-de-negócio, na próxima semana, iniciarei uma série de capítulos sobre a elaboração desses pitorescos documentos. Enquanto isso, saiba duma coisa linda: o Facebook não teve um plano-de-negócio. O Google também não. Ah...
Até-mais-ver!
QUEM É JOHN GALT?
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