CAPÍTULO 41: PLANOS-DE-NEGÓCIO: OS MANO, OS TRUTA E OS PARÇA
- Fernando Rogério Jardim
- 16 de mai. de 2016
- 6 min de leitura
Esta é parte metafísica do plano-de-negócio: quem somos, de onde viemos e para onde vamos-que-vamos.

Olá, insucessos da bilheteria! Na semana passada, sob protestos veementes da minha própria consciência perturbada, eu iniciei aqui uma série de capítulos destinados à elaboração dum plano-de-negócio. Vocês sabem como eu abomino essas peças de ficção ruim, destinada a entreter as traças e nada-mais que sacrificar árvores inocentes. Mas... vá lá! Acabemos logo com esse sofrimento. Na semana passada, tratei da capa, do índice e do sumário executivo. Sigamos, pois, com a descrição da empresa. A descrição da empresa é a seção do plano em que você apresenta as forças com as quais prètende enfrentar a concorrência e conquistar o território do mercado. São suas tropas, soldados e oficiais, armas, táticas de guerra, munição, víveres, uniformes, informantes, quintas-colunas, etc. Noutras palavras, você deverá deixar claro para seu leitor que sua trupe está à altura dos desafios impostos pelo produto ou serviço que vocês se dispuseram a oferecer no mercado.
A descrição da empresa deverá focar o que sua startup tem de especial em relação às outras empresas do mesmo segmento. Destaque, portanto, seus pontos fortes, suas peculiaridades interessantes, seus talentos internos, seus trunfos na manga, etc. Você também deverá justificar por que diabos criou esse negócio — o propósito ou justificativa de sua existência. Aqui, leitor, pelo amor do meu útero árido: poupe-nos daquele tom clichê-babaca-meloso-cafona de palestrinha motivacional. Ninguém quer saber dos seus propósitos sem compromisso, dos seus adjetivos genéricos e como você usa bem o vocabulário corporativo aprendido naquele MBA caro-inútil. Este também é o capítulo em que você apresenta a natureza da sua mercadoria — para quê e para quem elas servirá. Igualmente importante, claro, é a razão social, nome fantasia, porte da firma, localização e estrutura sòcietária: micro, média, pequena empresa, sociedade limitada, etc.
Podemos dividir a seção descrição da empresa em subseções. Aqui é hora de você apresentar sua quadrilha... digo: a equipe que estará com você na startup. Chamemos esta subseção de 1- equipe gerencial. Quando um livro ou artigo nos chega às mãos, a primeira coisa que devemos consultar são suas referências bibliográficas. ¿Quê outros livros e artigos esse cara leu para elaborar o trabalho? ¿Quais são suas afinidades e antipatias científicas e ideológicas? Pois bem. No caso dos planos-de-negócio, a seção que mais desperta a curiosidade dos investidores é... a equipe gerencial, com interesse redobrado no currículo dos diretores. Investidores vêem primeiramente esse quesito; e só depois é que se ocupam da inovação tecnológica, do segmento-de-mercado, das projeções financeiras, etc. Os investidores sabem — e a literatura assim o confirma — que inovações sensacionais, nas mãos duma cambada de cabaços, equivale às maldições hereditárias: é quebra certa!
Sem uma equipe gestora talentosa, há grandes chances d' o resto do plano simplesmente não se concretizar. Mas atenção: há várias coisas que acendem luzinhas da encrenca na cabeça chifruda dum investidor: excesso de titulações acadêmicas sem experiência comprovada; novatos com olhinhos brilhantes; períodos longos de carteira-assinada em òrganizações burocráticas ou (pior ainda) estatais; trajetórias excessivamente retilíneas; pobreza de talentos; funcionários formados totalmente por amigos ou colegas-de-faculdade; ausência de expertise financeira e jurídica; inexperiência no mercado em que ingressará... Por isso, se o empreendedor for jovem, ele deverá compensar isso atraindo para a sua equipe um Mestre Miagui experiente e vice-versa; e se o empreendedor tiver um perfil muito analítico (exatas), ele deverá atrair alguém com um perfil mais intuitivo (humanas) e vice-versa. É o que nos aconselha o professor Dornelas [2014, pág. 132].
E o que eu-mesmíssimo aconselho é: tenha sócios; nunca funcionários, jamais assessores. Ache alguém que faça tudo com você; ou aprenda sòzinho o que for necessário. A descrição da empresa, ainda no item equipe gerencial, precisará definir quais são as áreas-chave do negócio e como os departamentos estarão estruturados (produção ou operações, vendas, finanças, jurídico, marketing, compras, recursos humanos, etc.). Não se assuste se seu nome aparecer em quase todos os quadrinhos do òrganograma. Se alguma ajuda externa for necessária (consultores, àgiotas, lobistas, palpiteiros), ela também deverá ser definida. Primeira regra de ouro: não seja um psicopata egocêntrico e paranóico: chame para a equipe pessoas melhores que você! Segunda regra de ouro: escolha muito bem quem, para não precisar se prèocupar depois com o como, o quando e o por quê. Atraia pessoas motivadas e talentosas; e então construa uma empresa ao redor delas.
Por fim, a seção equipe gerencial deverá responder às seguintes perguntas: ¿Quem são os gerentes da startup? ¿Qual é a formação deles e como eles têm se mantido atualizados sobre as mudanças na área em que atuam? ¿Em que empresa já atuaram e por que fugiram de lá? Quanto tempo dedicar-se-ão ao negócio? ¿Quantos desafios já enfrentaram na vida, além de tentarem empreender num país-piada como Brasil? ¿Quantas empresas já abriram e quebraram? Têm artigos ou livros pùblicados? ¿Têm patentes aprovadas, certificações, prêmios ou troféus? ¿Participam de alguma assòciação, clube, máfia ou guilda? ¿Qual é sua reputação nas quebradas? ¿Qual é sua experiência no segmento em que atuarão? ¿Quem estão dispostos a eliminar para conseguir o sucesso? ¿Quais são os pontos fortes e fracos da equipe? (Assuma-os: é bom ter ciência deles). ¿Como o òrganograma evoluirá nos próximos anos? ¿Quem responderá financeiramente e jurìdicamente pela empresa?
Tem mais. 2- Terceiros e parceiros. Geralmente, pequenas empresas costumam terceirizar a contabilidade e toda a parte jurídica. Ao ingressar numa incubadora, você não precisará se prèocupar com isso: esse tipo de assessoria está dentro do pacote. Mas para você, um pobre diabo... Para a contabilidade, é até possível você se virar com um pouco de tempo e esforço com os números. Mas com as leis não se brinca. Você precisará dum advogado. Ele não integrará sua empresa; mas é bom poder contar com ele para consultoria e orientações. Também é possível que você descubra que algumas etapas de fàbricação ou atendimento sairiam mais baratas se fossem assumidas por terceiros. Pois então diga isso no plano! Parceiros estratégicos (pesquisadores, fornecedores, universidades, grandes empresas) podem servir de trunfo numa licitação, ou no recebimento de financiamento. Parceiros graúdos mostrarão que você está armado e é perigoso.
Ah, leitor, leitor, leitor... Eu estou com pena de você se você acha que acabou essa patuscada. Passemos à subseção 3- Estrutura sòcietária e jurídica. Aqui, você deve dizer como está constituída a sòciedade, quem são os sócios, qual será participação (dedicação parcial ou exclusiva) e qual será a remuneração (pró-labore ou lucros) de cada um na firma. Defina em que condição sua empresa está enquadrada: empreendedor individual, microempresa, pequena empresa, média, grande, etc. Seu enquadramento sòcietário e jurídico, aliás, definirá o tamanho da mordida que o Estado dará na sua suculenta bundinha. Você precisa saber (e mostrar que sabe) quais impostos incidem sobre sua empresa; se ela desfruta de alguma vantagem, isenção, arrego ou faz-me-rir do Estado. Se você prètende modificar a estrutura sòcietária da empresa no futuro, diga como e por quê isso ocorrerá. Mudanças no tamanho exigem mudança na estrutura, e isso implica direitos e tributos.
Inclua nos anexos do plano uma cópia do contrato social da firma — além de toda aquela papelada soviética que você conhece: a inscrição na Junta Comèrcial ou no Cartório de Pessoas Jurídicas; a inscrição da Receita Federal, a inscrição na Secretaria Estadual da Fazenda, o cadastro na Prèvidência e o pedido de alvará na Prèfeitura, para negócios físicos. Não se aperreie : a estrutura sòcietária precisará ser revista sempre que: 1) a empresa crescer ou diminuir, 2) os concorrentes se movimentarem, 3) o produto ou serviço sofrer alterações drásticas que justifiquem a incorporação de novos talentos, 4) a estratégia da sua empresa mudar muito, 5) ocorrerem pivòtagens, 6) as pessoas surtarem, 7) os funcionários se envolverem com o narcotráfico ou passarem num concurso, etc. Ah, coloque também, nos anexos do plano, todos os currículos da equipe. Ajude a tornar esse documento mentiroso & burocrático um pouco mais burocrático e um pouco menos mentiroso.
Tem mais. 4- Localização e infraestrutura. Explicite o endereço da sua empresa. Saiba que negócios virtuais também precisam de endereço físico no plano. A depender do negócio, a localização da empresa é uma questão estratégica, pois diz respeito ao ponto-de-vendas, ao acesso a consumidores e fornecedores, etc. Isso precisará ser justificado. Mas a localização também diz algo sobre o prestígio da empresa. Calma, leitor: sossega essa pitomba! Você não tem condições de alugar uma cobertura na Faria Lima, na Berrini, na Paulista ou em algum desses endereços zabumbadas da magelópole. Uma garagem na casa dos pais em Vila Nova Cachoeirinha já está de bom tamanho para começar, pois a localização também é uma informação financeira. Se o imóvel for próprio, seu valor irá para o balanço patrimònial (aguardai-vos). Porém, se o imóvel for alugado, seu valor mensal irá para o fluxo-de-caixa, como custos fixos (aguardai-vos). Anexe a planta do imóvel, fotos do prédio, etc.
Agora, vamos encerrar (apenas o capítulo da descrição da empresa). 5- Registros, seguro e segurança. Nenhum investidor ou incubadora quer apostar numa startup de irresponsáveis cujas informações estratégicas, contas de e-mails e cadastros de clientes epossam ser invadidos por hackers; cujos registros contábeis são rabiscados em guardanapos; cuja chave do portão fica com o Seu Tião, que é amigo íntimo do senhor Barreiro — o bom & Velho Barreiro. Por isso, você precisa definir quê serviços contratou para proteger seus bens: as empresas responsáveis pela segurança das instalações e dos sistemas, pela contabilidade; os valores pagos, as garantias, os recursos protegidos e por aí vai. Ufa! ¿Está vendo, caro leitor, por que eu detesto planos-de-negócio? Este é o capítulo mais longo do blog Start-Aspas desde que ele começou, em outubro de 2015. São onze soníferos parágrafos. E aguarde: nós estamos apenas começando. Na próxima semana: produtos e serviços.
Até-mais-ver!
QUEM É JOHN GALT?
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