CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 22
- Fernando Rogério Jardim
- 28 de mai. de 2016
- 3 min de leitura
São Bernardo do Campo, 28 de Maio de 2016.
Prezada Fernanda, lá vamos nós outra vez.
Eu recebi sim, com sua mensagem, as imagens do protótipo. Trata-se dum telefone cèlular para idosos que não têm famìliaridade com a tecnologia, certo? Errado! Permita-me ser muito franco, Fernanda: se eu desse uma merda dessas para qualquer idoso que eu conheço, em trinta segundos, ele o jogaria contra a parede mais próxima; e eu lhe daria toda a razão. O conceito está todo errado. Prometo lhe enviar, numa outra carta, os problemas técnicos que eu, apenas vendo as fotos, consegui detectar no telefone. Só não desço o sarrafo nessa mensagem para poupá-la do vexame e para não revelar seus "segredos industriais" (embora qualquer concorrente seu que imitasse sua "solução" estaria sèriamente encrencado).
Certo. Você pode achar que eu estou sendo duro com você. Afinal, é apenas um protótipo para captação de feedback. Mas você me disse que é o segundo protótipo que faz, certo? Então, aqui vai minha pergunta: ¿quê retorno você recebeu da primeira versão? Deixa eu adivinhar: só elogios, né? Mamãe e papai adoraram, eu desconfio. Vovô e vovó não conseguiram enxergar os números nem as teclas do cèlular, mas também adoraram a inovação da netinha inventora. Seus amiguinhos da faculdade e do trabalho, talvez para esconder a inveja que de fato sentiam, cobriram-lhe de elogios falsos... E você, bêbada pelos licores da vaidade, não percebeu que continuava esfomeada por um banquete de críticas nutritivas. Pois bem. Dou-lhas agora.
Você, Fernanda, é vítima daquilo que eu chamo de Síndrome da Roupa Nova (refiro-me ao conto, e não à banda). Você deve conhecer a estòrinha. Um rei vaidoso contratou dois alfaiates picaretas para lhe confeccionarem uma roupa especial que só os inteligentes conseguiriam ver. Acontece que os dois alfaiates resolveram pregar uma peça no rei, vestindo-o com nada. Totalmente nu, o rei resolveu testar a inteligência dos cortesões e dos súditos. Todos, para não parecerem burros diante do rei, fingiram ver suas roupas e concordaram que o tecido era mesmo maravilhoso. Todo cheio de si, o rei resolveu sair às ruas com a suposta roupa mágica; até que uma criança, no meio da multidão, teve a coragem de gritar: "o rei está nu!"

O rei é o empreendedor orgulhoso e vaidoso, com ciúme-de-autoria, achando-se o novo Estêvão Trampos (Steve Jobs). A roupa nova do rei é sua inovação, louvada por uma constelação de bajuladores, tocadores-de-zabumba, estouradores-de-foguetório ou simplesmente por pessoas que gostam mesmo de você, mas que infelizmente confundem o gostar de você com gostar daquilo que você inventou. Grave engano! Os alfaiates picaretas, claro, são os consultores, com suas soluções mágicas, suas frases feitas e sua motivação de fancaria. A multidão de súditos é o mercado — meio incrédulo, meio atônito, mas mantendo as aparências por meio dum silêncio sepulcral. Ouça: nada de retorno, nada de feedback.
Todos, Fernanda, estão vendo que você está nua (seu cèlular não presta), mas ninguém quer parecer antipático, estraga-prazeres, empata-surubas... ou pior: invejoso. Mas o diabo é que você precisa mesmo de alguém para lhe jogar a verdade no meio da fuça. Daí chega a criança, quer dizer, o coach boca-suja e lhe diz: "deu ruim, parça!" ¿Entendeu a alegoria, Fernanda? ¿Vai ficar puta comigo porque eu estou lhe fazendo o favor de dizer que você está nua no meio da rua? No conto (um dos meus prèferidos, por ser uma metáfora perfeita do ambiente acadêmico), o rei aprendeu a lição, perdoou os alfaiates picaretas e louvou a sabedoria da criança que lhe disse a verdade rua & crua. Espero que você também aprenda com isso.
Por fim, deixa eu lhe dar uma dica prática para você desenvolver seu bendito cèlular para idosos. Faça o seguinte: pegue um óculos com um grau bem diferente do seu; ou simplesmente embace seus óculos com a òleosidade dos dedos. Coloque-os. Pronto: agora você está com a visão dum idoso de setenta ou oitenta anos. Agora você está vendo o mundo com o olhar dos seus clientes, com a catarata dos seus clientes. Então, pegue seu cèlular e ligue-o. ¿Você consegue enxergar bem as teclas? ¿Você consegue ver com definição & clareza os números na tela? ¿Você consegue encontrar em poucos segundos as funções de emergência? ¿Não? Ótimo! Então você já sabe o que fazer, né? Vista-se com roupas de-verdade e boa sorte.
Mande-me nudes dos novos protótipos.
Fernando.
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