DICAS DE (NÃO-)LEITURA 35
- Fernando Rogério Jardim
- 15 de jun. de 2016
- 3 min de leitura

Olá, burgomestres da hilàriedade e paladinos da risadaria! Deixa eu fazer uma pergunta para vosmecês: ¿vocês se acham muito engraçados? Sabem... eu tenho para mim que este é o prior crime dum humorista: achar-se engraçado; ou dividir-se entre achar-se inteligente e achar-se engraçado; ou pior ainda: achar-se engajado em "grandes causas" da sociedade contemporânea de hoje-em-dia. Grandes coisas! Na minha humilde opinião, foi isso o que abreviou a carreira de Jô Soares; foi isso o que condenou Marcelo Adnet a vagar nesse limbo entre a geladeira e o ostracismo; é isso o que está empurrando a turminha do Porta dos Fundos — esses tristes & servis lambe-botas do petismo — a uma antipatia crescente por parte do público. Se você quer ser engraçado, desconfie até da graça divina!
Pois bem. Segurem essa pitomba, porque eu já-já explicarei essa introdução. Nas semanas passadas, eu inaugurei aqui o Troféu Sucupira Dourada — um Prêmio Jabuti às avessas (ou não) para prèmiar catástrofes editoriais. A intenção era prèmiar livros ruins de gestão. E vejam: para o livro ser merecedor da Sucupira Dourada, não basta ele ser ruim (trivial, bobo, óbvio, mal-escrito, mal-editado, mal-traduzido); também é preciso que ele contrarie as expectativas sàdicamente criadas nos leitores. Este foi o caso d' "A economia dos desajustados" (clique): um passeio macabro pelo "pensamento" esquerdista sobre empreendedorismo e microempresas. Este também foi o caso da "Estratégia de Guerra" (clique): uma vagabundice tão inclassificável que mereceria um prêmio à parte.
Beleza. Lendo o título "Poder S/A: histórias possíveis do mundo corporativo", com sua capa de fundo preto e silhuetas de edifícios brancos à frente, eu pensei: "Bacana! Algum Maquiavel no exílio deve ter resolvido pôr no papel suas memórias sórdidas do mundo corporativo." Comprei. Minha expectativa era encontrar ali coisas como as escritas pelo brilhante Max Gehringer: anedotas do mundo corporativo com moral-da-história no fim. Acho pedagógico e edificante quando alguém disseca esse bicho por dentro, pois muitos dos vícios & taras das grandes empresas nascem quando elas ainda são bebês-startups. Quanto mais cedo a gente corta o mal, menos tempo ele tem para deitar raízes. Esperei, portanto, por relatos selvagens, por uma sociologia agressiva das grandes empresas.
Que anticlímax! O que li foi uma série de histórias bobocas, forçadas, com um humor besta, que faria a turma do Zorra Total — especialistas em terceirização do constrangimento — ter urticária de vergonha. Descubro então que seu autor — Beto Ribeiro — é pùblicitário e roteirista de televisão. (Pausa) Senti-me como numa reunião de escola, quando eu descobria que aquele aluno lesado, delinqüente e vagabundo tinha um pai ou mãe que justificava sua descendência. Então tudo ficou claro. O texto do livro é aquele oceano de clichês toscos, porque é coisa típica de pùblicitário bacaninha que se acha um Camões redivivo. E não é só isso. As histórias são confusas, mal-escritas e forçadas. Os personagens são unidimensionais. Os diálogos são mesmo típicos de roteirista de canal-a-cabo.
"Ah, Fernando! Que mal-humor! ¿Você acordou mal-comido hoje?" Calma, leitor! Alguma coisa se salva nesse livro. Confesso que ri bastante no segundo capítulo (págs. 36-48): uma sátira gènial, impiedosa e destrutiva das palestras de motivação — tão comuns no ambiente corporativo. O capítulo dezesseis (págs. 169-179) é a única coisa do livro vagamente parecida com literatura, pois lembra muito as famílias desfuncionais rodriguianas. O vigésimo capítulo (págs. 195-206), apesar dos clichês de sempre, e ainda que encharcado de banalidades, é tolerável. O mesma crítica positiva se aplica à seção "Doze soluções para quem quer fugir do mundo corporativo" (págs. 230-233). Fora esses trechos, o livro não vale o oba-oba, não vale a capa, não vale seu tempo e muito-menos o seu dinheiro. Dizem que ele vai virar série de TV pela HBO Brasil. É um fim muitíssimo merecido para um humor sem mérito.
RIBEIRO, Beto. "Poder S/A: histórias possíveis do mundo corporativo". São Paulo: Universo dos Livros, 2016. 238 páginas. R$ 39,90.
DEPOIMENTOS:
"Isso é quase o roteiro do Zorra Total, mas com dinheiro, gravata e filmado alguns andares acima."
Deputado Hilário Morticínio, excelentíssimo salafrário.
"Tire os clichês, os lugares-comuns, as piadinhas de elevador... Não sobra nem a orelha do livro."
Professor Eleutério Deletério, acadêmico e òtimista.
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