DICA DE LEITURA 36
- Fernando Rogério Jardim
- 22 de jun. de 2016
- 5 min de leitura

Olá, pessoas felizes da vida alheia! Calma: o livro que eu ìndicarei na seqüência será mesmo positivamente recomendado. Vocês se lembram que, nas semanas passadas, eu agraciei com o Troféu Sucupira Dourada três livros cujas páginas eu não usaria nem para forrar a gaiola do Louro José. Mas esta semana será diferente. O livro "Quebrei sua empresa: o que fazer quando a consultoria é o problema", de Karen Phelan é mesmo muito bom. É tão bom, que eu me permitirei fazer um elogio machista: Karen Phelan escreve como homem! Ok. Mas antes de falar do livro, leiamos nossa humilde introdução.
Leitor, responda aí: — ¿O que acontece quando uma célula cresce demais? — Ela de divide em outras duas células, por mitose. — ¿E o que acontece quando um império cresce demais? — Ocorre uma guerra (separatista ou de sucessão dinástica), e ele se divide em outros impérios ou se reòrganiza numa confederação. — Ok. ¿E o que acontece quando uma empresa cresce? — Acontece a divisão-do-trabalho. A empresa se divide em seções, departamentos especializados, divisões internas, empresas terceiras, setores, filiais... — Certíssimo! E cada órgão desse corpo assumirá uma função especial, certo?
Levada às antepenúltimas conseqüências, o processo de divisão-do-trabalho poderá correr-o-risco de delegar para terceiros algumas tarefas que eu, sinceramente, considero indelegáveis: o processo decisório e o planejamento estratégico, por exemplo! Não importa quantas peças do seu produto deverão ser produzidas na Tailândia; não importa que a manutenção das suas ferramentas seja delegada para a Toninho Cadela Montagens. A prospecção de oportunidades, a definição da estratégia, o planejamento e sua implementação serão responsabilidades suas! — humanamente suas! perigosamente suas!
Quando um povo abre-mão da sua responsabilidade de se autogovernar, aparecem os malditos políticos profissionais, que decidirão tudo sòzinhos (e com o seu dinheiro & anuência). As conseqüências são arquiconhecidas. E quando um empresário abre-mão de pensar sobre sua própria empresa, ah... aparecem aí os famigerados consultores — essas criaturas que, segundo as sábias palavras de Robert Townsend, pedem seu relógio emprestado para lhe informar que horas são, e depois vão-embora com ele. O perigoso processo de terceirização do cérebro duma empresa é chamada de consultoria.
— Ah, Fernando, mas você também não é consultor? — Sim, sou. Mas eu não faço, penso ou decido pelos meus clientes aquilo que só cabe a eles fazerem, pensarem e decidirem. E não é porque eu queira me eximir dos possíveis efeitos maléficos das minhas consultas, mas sim porque eu não tenho como prèver o futuro ou determinar as conseqüências. Eu, como sociólogo de formação, sei o quão aleatória e randômica, caótica e errática, imprevisível e imponderável é a natureza humana. E como em toda firma estaremos sempre lidando com fatores humanos, qualquer garantia de resultado 100% é propaganda enganosa.
Feita essa introdução, confesso que fiquei muito feliz lendo esse brilhante livrinho "Quebrei sua empresa: o que fazer quando a consultoria é o problema", de Karen Phelan. A autora — que eu brinquei acima que escreve como homem — usa um tom preciso, sincero, honesto, corajoso e irônico para explodir muitos dos mitos sobre os modelos de gestão. Karen Phelan sìntetizu nesse belo livro coisas que eu repito para os meus alunos há vários anos: 1) o conhecimento sem a experiência é arrogante e cegueta; 2) humanos não são recursos prèvisíveis e mensuráveis; 3) os maiores riscos vêm dos fatores que você ignora.
4) modelos gerènciais são modismos: o próximo sempre prometerá resolver as cagadas deixadas pelo anterior; 5) não se deixe levar por pedantismo e arrogância, por jargões e títulos; 6) ferramentas estratégicas são apenas mapas mentais: elas não vão fazer nada por você; 7) o planejamento estratégico deve ser um processo de exploração de alternativas, e não um encaixotamento de alternativas em planos rígidos; 8) planejar o futuro e prèver o futuro não são a mesma coisa, sobretudo quando o futuro em questão envolve fatores humanos; 9) a gestão por números só gere isso: números, e não pessoas.
10) As òrganizações não fracassam no planejamento; elas fracassam na execução, que é quando aqueles fatores humanos, negligènciados no planejamento, retornam para puxar seu pé à noite; 11) planos longos tornam-se obsoletos assim que são impressos; 12) empresas conseguem o sucesso não através da prèvisão do futuro, mas através da interação com o presente, onde estão as reais necessidades dos consumidores; 13) as pessoas é que devem controlar os métodos, e jamais o contrário; 14) num mundo criado por humanos, a maior parte dos problemas é criada por humanos; 15) é muito difícil òtimizar pessoas.
16) Métodos e métricas são meios para certos fins, e não fins em si-mesmos; 17) ìndicadores sobre gestão de pessoas são ótimos para gerar ìndicadores sobre gestão de pessoas; 18) o que forma um líder não são as características x ou as peculiaridades y, mas sim seu contexto e suas escolhas; 19) a administração, definitivamente, não é uma ciência exata. Embora ela e a sociologia tenham começado quase juntas com essa arrogância "científica", a sociologia, pelo-menos, já abandonou suas prètensões nessa ramo há muito tempo. A administração, porém, ainda não acordou do seu pesadelo de tecnocrata.
Em síntese: estudantes de engenharia e administração saem das faculdades munidos de modelos de gestão rígidos, devidamente estèrilizados de todo tipo de fator psicológico ou sociológico que venha a perturbar suas infalíveis prèvisões. As vàriáveis humanas são deixadas para fora dos parênteses dessas fórmulas arcanas. Então, quando esses lindos modelos de gestão são forçados para dentro das estruturas corporativas, aqueles mesmos fatores humanos, outrora ignorados, retornam com toda a força para sabotar as fantásticas prèvisões do modelinho matemático. ¿Que tal? ¿Isso lhe soa famìliar?
O livro de Karen Phelan é uma crítica sarcástica e competente dos modelos & modinhas de gestão rígidos, que ignoram os fatores humanos. Apesar do título (certamente posto por razões pùblicitárias), o livro não fala tanto sobre consultoria, mas sim sobre gestão de recursos humanos e sociologia das òrganizações. Ele termina com um a hilária "tradução" dos jargões de gestão (pág. 188) e um quadro que mostra os bons e maus motivos para se contratar um consultor (págs. 191-192). Quem dera alguém escrevesse um livro igual sobre os modismos pedagógicos — cujos crimes demoram uma geração para aparecer.
PHELAN, Karen. "Acho que quebrei sua empresa: o que fazer quando a consultoria é o problema." São Paulo: Benvirá, 2015. 224 páginas. R$ 34,90.
DEPOIMENTOS:
"Modelo de gestão mesmo é a minha nova secretária, a dona Regininha. ¿Conhecem? Ai, quê métrica! Ai quê modelo de gestão-tão-tão!"
Doutor Viracopos Galeão, abalizado jurisconsulto.
"Ao contrário da consulta médica, consultores empresàriais não costumam enterrar suas pobres vítimas — até porque elas não são pobres."
Doutor Mentecapto Mendes, curandeiro tupinambá.
Comments