CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 39
- Fernando Rogério Jardim
- 24 de set. de 2016
- 3 min de leitura
São Paulo, 24 de Setembro de 2016.
Fala, Ítalo!
Mande um alô para o pessoal da equipe. Diga-lhes que, quando eu puser as minhas coisas em dia, darei uma passadinha aí. Meu trabalho está atrasado porque perdi — sim, perdi — quatro semanas dando consultoria pedagógica para uma cambada de almofadinhas que nunca puseram o pé numa sala-de-aula; e se lhes fosse dado um giz, eles certamente o enfiariam no cu, pensando ser um supositório de cocaína. Os mercenários do Renascimento ao-menos precisavam ser competentes, pois um erro lhes custava a cabeça. Os mercenários da educação, por sua vez, só precisam dum saco de dinheiro para brincarem de semideuses.
E por falar em semideuses. ¿Você sabe da maior? O Ronaldo está dando palestras — sobre motivação e criatividade! Eu sempre achei que a motivação fosse uma porta trancada por dentro, e que a criatividade fosse uma espécie de número-primo da alma. Por isso, o sujeito prètender, em quarenta minutos, verter por osmose a criatividade e a motivação no povo... Porra! Eu precisava ver isso. E posso lhe dizer uma coisa: ainda-bem que eu entrei de-graça — e ficou caro! Foi o mesmo de sempre: soluções amplas como o oceano e rasas como uma poça. Sem contar a tentativa brega de despertar aos gritos o seu “gigante interior.”
O Ronaldo estava até um dia desses lançando aqueles joguinhos estúpidos de Android. Ainda está devendo para Deus-e-o-mundo, com programadores e designers gráficos lhe cobrando os rins por serviços não-pagos. O cara é o burgomestre da picaretagem, o arcebispo da palhaçada, o arquiduque da roubalheira, o rei do caô... O fato d’o cara ter tido sorte — sim, sorte — uma vez na vida criando joguinhos para os smartphones e seus stupidusers, não o autoriza a cagar-regras sobre empreendedorismo, como se ele fosse dono dum mapa universal para o sucesso, do qual só bastaria tirarmos fotocópias. Porra!

Falando assim, eu pareço invejar o Roberto. Mas a questão é mais interessante que isso: é sobre as causas ocultas de algumas histórias de sucesso. Em alguns casos, fica fácil entender por que o fulano se deu bem: ele trabalhou que-nem um puto, estudou até ficar vesgo, enfrentou frustrações & difìculdades, etc. Mas há uma porção de outros casos em que nada disso aconteceu. E excluindo as situações em que a safadeza foi admitida e comprovada, sobra uma única hipótese: a pura sorte. O mercado é tão cheio de vàriáveis e incógnitas que duas delas podem se chocar e produzir um milionário. ¿Por que não?
O problema é que pouquíssimos empreendedores estão dispostos a admitir que seu sucesso se deveu ao acaso. Afinal, a gente não quer só dinheiro; a gente quer dinheiro e significado. E se o nosso dinheiro não tiver significado (uma origem digna), a gente inventa um. É por isso, Ítalo, que o mundo das srtartups é tão cheio de “sagas do herói”, de Ulisses & Césares, de Leônidas & Napoleões. Todo sujeito que faz sucesso depressa precisa dum épico para chamar de seu, duma lenda para contar lá em casa. Daí, para subir num palco e cagar-regras sobre a vida alheia em palestras de “criatividade e motivação”, é um pulo!
¿Você entendeu meu ponto? Toda essa galerinha dinâmica que eu chamo de empreendedor -ostentação, que sobe no palco e faz malabares com granadas ao som de “We are the champions”, fez uma engenharia-reversa do próprio sucesso; e acrèdita, do fundo da sua ingènuidade conveniente, que encontrou uma fórmula do sucesso universal; e que pode ensiná-la ao público pagante. O Roberto não é muito diferente dessa galerinha: ele é apenas um pulha posando de bonzão. O fato de haver gente desesperada pagando para assisti-lo, faz com que ele acrèdite mais-e-mais na própria lenda; e eu acrèdite menos na humanidade.
Abraços,
Fernando.
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