CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 40

São Paulo, 1º de Outubro de 2016.

Prezada Rafaela,

Bem-vinda ao clube! Antes de responder a sua mensagem, primeiramente, permita-me agradecê-la. Sim, porque sua carta expressa com perfeição uma angústia surda que aperreia muitos empresários iniciantes — que é a sòlidão empreendedora. Quando seu negócio nasce duma idéia original, que lhe é tão íntima quanto uma escova-de-dentes, contaminá-la com a intromissão de terceiros (os malditos clientes, por exemplo) ou com a inclusão de sócios, é um ato de lesa-utopia. Imperdoável! Daí a tendência d’ os empreendedores se isolarem, arredios, protegendo duas preciosas idéias do banho gelado da realidade.

Os exóticos silvícolas do Brazil — aquele país vizinho que circunda Moema — têm um fetiche anímico pelo diploma sem real conhecimento e pelo emprego sem real contribuição. Por isso, você certamente encontrará o apoio-inveja dos parentes & colegas quando você cismar em ser concurseira profissional, ou empregada feliz duma firma-de-marca. Mas um muxoxo fúnebre atravessará o semblante da audiência caso ela ouça que você quer abrir um negócio. Pois quando um pai ouve que seu filho quer ser empreendedor, seu choque equivale ao sofrido pelo pai que, há trinta anos, ouvisse que seu filho queria ser travesti.

Outra razão para a sòlidão empreendedora é que, dependendo do setor em que você atua, muitas soluções para o seu negócio serão inventadas, descobertas ou improvisadas por você-mesma — na raça! na unha! E isso significará horas & horas adquirindo conhecimentos novos que você não aprendeu na faculdade, porque seu professor estava muito ocupado fomentando ocupações, cantando em prosa & verso as belezas do socialismo ou tendo ereções espasmódicas com o último ditador de plantão. Serão momentos sòlitários, Rafaela... E às vezes você duvidará estar à altura da treta em que se meteu.

Existe, aliás, algo meio renascentista no espírito do empreendedor. Essa coisa de você enfiar-a-cara, por curiosidade ou por necessidade, num setor que não é o seu, numa área que você não domina, mas com a qual você não se ìntimida. Daí você absorve o máximo possível daquele conhecimento alienígena e, no final das contas, acaba fazendo contribuições originais àquela área que não era a sua. (Não era; agora é). ¿E você consegue imaginar uma hàbilidade mais excêntrica, mais esquisita e digna de isolamento psiquiátrico do que esta — sobretudo numa sociedade que paga caro por soluções digeridas? Sabe, Rafaela, você é doente! Eu não sei por que eu não mando a carrocinha buscar vosmecê.

E tem mais. O empreendedor é um chato, fanàtizado por um sonho que só ele sonha. Mais inconveniente do que o empreendedor, só aqueles poetinhas bitiniques (os infalíveis carecas com rabo-de-cavalo) que vendem seus fanzines mal-editados de bar em bar. Empreendedores são evangelistas do próprio evangelho. Gente assim, quando tem sócios, transforma a vida deles num inferno, e faz qualquer namorada paranóica parecer um iceberg de distànciamento e desprendimento. Mas são essas pessoas, afinal, que realizam impérios, mesmo que às custas de escombros de relações desfeitas e úlceras nervosas.

¿Elas merecem o isolamento? É óbvio que é claro! Mas com isto eu espero, Rafaela, não ter criado um panegírico do empreendedor. Já tem gente demais por aí vendendo “sagas do herói” e criando estátuas verbais de si-mesmo. E tem outra turminha, igualmente numerosa, dizendo que empreender é uma “modinha passageira” — como se “modinha passageira” fosse também a nossa sobrevivência frente aos neandertais. Mas acostume-se, Rafaela: empreendedores são uma multidão de sòlitários. O fato de você expressar e compartilhar essa angústia já é um bom começo — talvez dum novo negócio.

Saudações ermitãs,

Fernando.

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