CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 58
- Fernando Rogério Jardim
- 5 de fev. de 2017
- 3 min de leitura
São Paulo, 5 de Fevereiro de 2017.
Prezada & assustada Luíza,
Pode chamar isso de vício profissional: eu ia simplesmente lhe responder uma mensagem, e acabei lhe dando uma aula; e na intenção de lhe dar uma aula, eu acabei lhe assuStando um pouquinho. Peço perdão pelo vacilo. Mas tagueamento, algorítmos, robôs virtuais, internet-das-coisas, lógica booleana, machine learning, big data, SEO, etc. serão termos com os quais você precisará se famìliarizar urgentemente. Essas tècnologias são insìdiosas: elas já devem estar presentes na sua vida sem que você perceba. E sim: tal como eu disse na mensagem passada, essas coisas já estão invadindo os escritórios de advocacia. Você é que não notou ainda.
O fato de você, como eu disse, ter escapado da tentação de se homiziar numa repartição pública empoeirada, já a torna mais apta a compreender e assimilar melhor essas inovações. Muitos advogados não percebem que um escritório é uma startup! E se o componente tènológico das startups não era tão presente nos escritórios tradicionais, essa coisa está prestes a mudar. Aliás, Luíza, ¿você já reparou que os escritórios de advocacia trabalham da mesma forma há décadas — talvez séculos? Até os nomes são parecidos; até a estética da decoração (aquele estilo que eu chamo de clássico-naftalina) é sempre o mesmo: muita madeira, aço inox e móveis escuros.
A-propósito, a pergunta que eu deixei no ar na última mensagem foi a seguinte: ¿o que os advogados farão da vida quando, graças à virtualização e à automação, a única função deles num processo será protocolá-lo? Aliás, ¿você já parou pra pensar que muitos dos processos cópia-e-cola que você tem hoje-em-dia já são assim? Desapareceu a figura do advogado-artesão: aquele que pegava as minúcias do caso, construindo-o desde a matéria-prima, fazendo um trabalho de pesquisa cuidadoso, bem calcado na jursprudência e nos doutrinadores... Isso já era! O advogado de hoje é que-nem clínico geral: ¿tá com febre? — antibiótico! ¿tá com dor? — analgésico!

A advocacia está passando hoje por aquilo que eu chamo de maldição das commodities. Em poucas palavras, significa que o serviço prestado pelo escritório Albuquerque & Figueiroa não é muito diferente do serviço prestado pelo escritório Coelho & Raposo. (A-menos que você se impressione com madeira, aço inox e móveis escuros. Ou que você ache que a amizade que os sócios têm com o magistrado x e o pròcurador y vai ajudá-lo em alguma merda). Quando o cliente vê que as mercadorias que ele tem à frente são quase iguais, a única coisa que ele vai considerar no desempate é o preço... a-menos que você desvie o olhar dele para o valor.
Então vamos resumir nossa história até aqui: 1) todos os recursos que automàtizam o trabalho de colarinho-branco (e acrèdite: são muitos) também podem automàtizar o trabalho dos advogados; 2) essa automàtização está tornando as atividades jurídicas repetitivas, desqualificadas, redundates: o advogado virou um cão-guia de fluxo digital; 3) além disso, como os escritórios são muitíssimo parecidos (até-porque um brota do outro), os clientes não vêem muito diferencial em seus serviços; 4) daí entra a maldição das commodities — e os advogados passam a disputar por preços baixos, sendo que eles deveriam estar agregando alto valor. ¿Há uma saída para isso?
Não! Tô brincando: tem sim! Chama-se inovação. Mas a primeira coisa que o advogado precisa mudar é seu mindset: seu conjunto de crenças sobre a profissão. Durante cinco anos, Luíza, você viu professores engomados e professoras estilosas com aquela pose de sepulcros caiados que só advogados conseguem manter sem vòmitar. Olha... Eu nem vou tratar aqui da vaidade e da hipòcrisia que grassam no mundo jurídico. Prefiro me deter ao fato óbvio de que seu escritório é uma empresa, e não um templo; e que uma advogada é um empreendedora, e não um sacerdotisa. É com esse mindset, Luíza, que você poderá sobreviver profissionalmente ao que vem por aí.
E vem mais coisas por aí!
Fernando.
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