CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 64
- Fernando Rogério Jardim
- 19 de mar. de 2017
- 2 min de leitura
São Paulo, 19 de Março de 2017.
Prezado senhor Ernesto,
Eu fico lisonjeado pelo senhor ter considerado meu nome para essa empreitada. Peço licença para conferir um tom mais pessoal a minha resposta, pois não quero apenas informar minha recusa, como também explicar o motivo dela. Se eu fosse uma pessoa cínica, aceitaria lhe prestar uma consultoria apenas para engordar minha conta bancária. Eu não sei o quanto o senhor estaria disposto a me pagar pelo serviço. O que eu sei é quanto eu cobraria; e acrèdite: não seria barato.
O problema é que eu não consigo ser cínico naquilo que faço por satisfação. Além do mais, existe um negócio babaca chamado legado. E eu gostaria de deixar um legado do qual eu possa me orgulhar na velhice. Acrèdito que o senhor possa dizer o mesmo de sua empresa. Não que o senhor esteja velho — entenda. Acontece que eu não presto consultoria para empresas famìliares. Na verdade, grandes empresas já me deixam com o pé-atrás. Gostaria de lhe explicar por quê.
Uma vez fui sondado pelo diretor duma empresa tradicional, constituída. Ele chegou a mim por meio duma ex-aluna que estàgiava na empresa dele. O serviço em questão era uma consultoria. Bàsicamente, eles queriam recensear todas as soluções criativas, o know-how tácito, os talentos ocultos dos funcionários; e depois usarem isso para traçar uma estratégia de inovação. A empresa se considerava estagnada nesse aspecto. E lá fui eu — alegre e saltitante — falar com os caras.

Eu ràpidamente notei que todas as minhas sugestões lhes pareciam excessivas, exigentes, ambiciosas, excêntricas. O problema não era dinheiro — até-porque as soluções que eu estava pròpondo não envolviam fortunas. O problema era que os caras queriam inovar sem bagunçar o cercadinho, sem ameaças as estruturas, sem ferir os egos, sem sujar o tapete. Noutras palavras, eles queriam uma disrupção limpinha, com goma na camisa, gel no cabelo e pronomes bem-colocados.
Quando eu presto consultoria para startups, eventualmente, algumas coisas que eu lhes pròponho esbarram nalgum obstáculo idiota e banal criado pelo Estado: impostos em cascata, legislação trabalhista, regulações ambientais cretinas, logística de merda, corrupção, burocracia, etc. Mas pelo-menos, quando eu estou entre as startups, eu não preciso ficar lutando contra hierarquias esclerosadas, porque — louvado seja Deus! — startups não têm hierarquias a proteger.
Entretanto, quando eu atendo grandes empresas (sobretudo as famìliares), sempre calha d' eu oferecer combustível de foguete para quem só deseja melhores cavalos. Não me entenda mal, senhor Ernesto. Eu não acho que sua empresa tenha as características supracitadas. (Na verdade, eu nem sei). Acontece que gato escaldado tem medo de sauna gay. Eu sinceramente acho que o senhor empregaria melhor seu dinheiro contratando um tributarista que o ensinasse a sonegar impostos.
Vai por mim!
Fernando.
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