CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 69
- Fernando Rogério Jardim
- 23 de abr. de 2017
- 3 min de leitura
São Paulo, 23 de Abril de 2017.
Olá, Gustavo!
Eu sei que você escreveu para mim porque sabe que eu não vou tratá-lo com peninha ou condescendência. Primeiro, porque todo empreendedor é meio orgulhoso (se não fosse, estaria prestando concurso público para ser um merda). A pena alheia humilha. Segundo, porque sentir peninha não ajuda quem precisa de conselho. E terceiro, porque eu não acho que o fracasso e a falência sejam razões para sentir-se envergonhado. Vergonha é roubar, matar e votar na esquerda. O resto é acidente de percurso. Além-do-mais, o risco do fracasso está embutido no ato de empreender. Se empreender não fosse arriscado, o lucro do empreendedor não seria justificado, porque o lucro nada-mais é do que um prêmio pela assunção de riscos.
Tomar no tóba é uma empreitada pedagógica, Gustavo. A boa falência, portanto, é a aquela em que você aprende as coisas da vida. E algumas falências valem mais do que um MBA, do que um curso intensivo em cagadas. É claro que seria melhor aprender com os erros dos outros. Mas a mente humana é de tal natureza babaca, que os sucessos alheios são gritados aos quatro ventos, viram livros, filmes, etc. Mas os fracassos... ah, esses são cochichados no confessionário. Então, se você quiser aprender o que fazer, leia um livro. Mas se você quiser aprender o que não fazer, quebre a cara e colecione cicatrizes. E você me perguntou na mensagem qual é o momento certo de admitir que o negócio quebrou. É uma boa pergunta! Então, vamos por partes.
A primeira resposta é óbvia: se você está operando no vermelho há muito tempo, e não tem perspectiva de sair do vermelho, e não tem dinheiro para queimar (economias ou investimenro) enquanto o negócio não atinge o breakeven, então, pare de cavar e declare falência. O que varia de negócio para negócio é: ¿por quanto tempo você admite operar no vermelho até finalmente atingir o lucro? Isso depende dos seus nervos e da grana que você tem para queimar nesse meio-tempo — para investir na empresa (capital-de-giro) e para pagar suas contas pessoais (pró-labore). Daí a importância das suas economias e/ou (se for o caso) dum sócio investidor. Aliás, investidores servem para isso: deslanchar seu negócio ou permitir que ele opere no vermelho.

Mas se você conseguIr empreender a-seco, cara, sem precisar de empréstimos ou de financiamento, tanto melhor! Tem "consultor de fianças" que lê livrinho amèricano e sai por aí dizendo que dívidas são boas. Podem ser boas lá fora. Aqui, com nossas taxas de juros de agiota, não são. Você precisa é fazer o seguinte, Gustavo: some todos os seus gastos mensais: aluguel, gasolina, transporte, alimentação, contas de internet, luz, atc. Mùltiplique isso por seis. O resultado é o dinheiro de reserva que você precisa ter guardado, na eventialidade de seu negócio quebrar e você precisar arranjar um sustento transitório. Até você abrir uma nova firma, aquele dinheiro lá pagará suas contas, evitando que você aceite qualquer presepada que lhe aparecer.
Operar no vermelho é mais comum do que você imagina. Muita empresa grande — posso citar aqui o WhatsApp, a Amazon, o Facebook — operaram por muito tempo no vermelho, com dinheiro de investidor, antes de serem empresas lucrativas. Se você tem o feeling de que, num futuro próximo, seu mercado vai deslachar e que seu negócio tem potèncial, então segure firme. Senão, dê um tempo. Isso é bom senso. Falando ainda em dinheiro, é hora de pensar em falência quando você começa a comprometer seu patrimônio mais sólido: casa, carro, terreno, máquinas, etc. Outro sinal amarelo é quando você começa a queimar, além do seu capital, o capital de teceiros — amigos, parentes, empréstimos, financiamentos... Isso afetará até seu emocional.
E por falar em emocional, Gustavo, empreender tem de ser uma coisa satisfatória, divertida, empolgante. Ok: nem sempre é assim. Mas se você perceber que a situação da sua empresa está vazando bile para outras áreas da sua vida, comprometendo seu relacionamento e sua saúde pessoal, então cara, ¿pra quê contìnuar sofrendo? ¿Só por causa da pose? ¿Só pelo orgulho de se declarar empresário? Vá à merda, porra! Como o Brasil não criou uma rede-de-proteção para o empreendedor (como nossa anacrônica & nazifascista CLT criou para o trablhador), quando o cara quebra, ele é sempre visto como o trouxa da família que se deu mal por ambição. Daí o mal-estar. Aliás, seja lá qual for a decisão que você tomar, converse com sua família e amigos primeiro.
Abraços e boa sorte!
Fernando.
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