CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 76
- Fernando Rogério Jardim
- 11 de jun. de 2017
- 2 min de leitura
São Paulo, 11 de Junho de 2017.
Cara Estela,
Se eu fosse você, aconselharia o Marcos a cair-fora dessa. É sério! Você deve estar se perguntando: "poxa, Fernando, ¿por que você não fala isso diretamente para ele?" Acontece que eu já falei, mas parece que não adiantou, só acelerou. Essas empresas de marketing multinível são que-nem seitas: elas cegam seus crentes-robôs-otários-zumbis de tal maneira, que eles não ouvem mais ninguém que esteja fora do círculo de influência da entidade. O cérebro do cara é torrado e depois blindado.
Eu já assisti a eventos deles (não ao-vivo, é claro) onde os caras urram, gritam, cacarejam, desmaiam no palco e dão cambalhota. Só faltam falar em línguas estranhas. Bom... considerando o Inglês que eles falam, não falta mais nada. Escreva o que eu estou lhe falando, Estela: ainda veremos um suicídio coletivo com essa merda de marketing multinível! — um suicídio coletivo ao som de música tecno e champanhe que solta faíscas. Um suicídio yuppie e brega. Uma Georgetown na Costa do Sauípe.
É claro que o marketing multinível e o esquema-pirâmide não são a mesma coisa. O que diferencia o primeiro do segundo, tornando-o uma atividade legal, é que você está realmente entregando um produto ou serviço através duma rede de assòciados-hipnotizados-idiotizados. Já no esquema-pirâmide, isso não acontece: você está apenas recrutando otários na base para enriquecer os malandros do topo. Mas ainda assim, a linha que separa as duas atividades é muito-muito-muito tênue.

Sem contar que o cara que mexe com essas coisas vira um testemunha-de-jeová, um chato, o piolho do chato! A última vez que eu vi o Marcos foi na festa de noivado da Ana Lúcia. Você sabe: eu sou um excelente observador — um vício profissional dos sociólogos. Reparei que o Marcos estava usando a festa para arrebanhar seguidores. Ele chegava em cada convidado, gesticulando como um profeta da Cracolândia, e cochichava aquilo que eu vim a saber depois: sua pròposta de um milhão de cruzeiros.
Saí de-fininho quando reparei que ele vinha em minha direção. Confesso que não me senti bem fazendo isso. Porra: o cara era meu amigo, era gente-fina, mas virou um cu. Aliás, uma das coisas mais chatas do marketing multinível (èticamente falando) é isso: instrumentalizar as amizades e os vínculos de parentesco. O cara se apròxima de você não porque gosta da sua conversa, não porque quer a sua companhia, mas porque acha que você é um prospect lucrativo para a seita dele. Vá à merda!
Existem muitas formas bacanas de se empreender, Estela. Esta não é uma. Você já sabia qual era minha opinião sobre as franquias: um franqueado é um escravo que comprou a casa-grande mas recebeu a senzala. E agora você sabe qual é a minha opinião sobre o marketing multinível. Trata-se duma ótima escola de vendas; e o empreendedor é antes-de-tudo um vendedor. ¿Mas por que não exercitar suas táticas de vendas com seus próprios produtos, em vez de ser o aiatolá do bagulho alheio?
Abraços para você e juízo para o Marcos,
Fernando.
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