CARTAS PARA JOVENS EMPREENDEDORES 60
- Fernando Rogério Jardim
- 19 de fev. de 2017
- 4 min de leitura
São Paulo, 19 de Fevereiro de 2017.
Cara Luíza,
Modéstia às picas, essa nossa conversa está lhe valendo por um coaching profissional, hein? Mas pode ficar tranqüila que eu já-já lhe mando o boleto. Pois muito bem. Quando um cliente entra no seu escritório — seja com réu, seja como autor duma ação --, ¿você sabe o que ele mais deseja de você, Luíza? — Tranqüilidade! O advogado é um daqueles quatro profissionais que lidam com as pessoas em seus piores dias. (Os outros três são o médico, o polìcial e o agente da receita). ¿E você sabe o que mais tranqüiliza um cliente que entra no labirinto kafkiano da justiça? — Informação! A pessoa quer saber, por exemplo, como será o andamento do processo, quais serão os prazos e os trâmites, quais são os riscos envolvidos na palhaçada, qual é o prognóstico apròximado, etc. E é incrível a quantidade de advogados negligènciam esse aspecro simples e deixam seus clientes na absoluta angústia, na escuridão.
Para o advogado, o andamento dum processo é uma mera rotina. É como eu disse: ele virou um simples tubo por onde passam documentos digitalizados. Ele já fez aquilo mil vezes e sabe onde dá merda, quais são os prazos, os procedimentos, etc. O problema é que o cliente não sabe de nanda disso. Ou ele vai ficar doente em silêncio, angùstiado & temeroso, dando F5 a cada minuto na página do TJ; ou ele vai ser aquele chato que ligará para o seu escritório toda semana, exigindo informações sobre o andamento, o horóscopo do juiz, a quantidade de páginas que você já escreveu, etc. Seria muito lindo se todo advogado fizesse uma cartilha — brutalmente pedagógica! — mostrando 1) fluxogramas com o andamento de cada tipo de ação e 2) respostas a perguntas freqüentes envolvendo cada tipo de ação. ¿Alguém perderia a bunda se fizesse essa cartilha?
O advogado não poderá concorrer com a avalanche de automação que está invadindo sua profissão neste momento. (Lembre que falamos disso na nossa primeira troca de mensagens). Então, se não vale-a-pena o advogado tornar seu trabalho mais màquinal, ele deveria se destacar tornando seu trabalho mais humano. Eu acho que o componente artesanal, artístico, criativo, intelectual e emocional deveria retornar ao mundo jurídico. Talvez isso o salve da crise. Sim: isso também é inovar, porque isso é fazer diferente do que todos estão fazendo; isso é agregar um valor real pelo qual o cliente pagará sorrindo. Ele poderá até perder a ação, mas certamente se lembrará de que você estava comprometida e empenhada com seu caso. E mais: você tornou a experiência dele menos angùstiante, alimentando-o com informações de rápida digestão.

Outra forma de inovar é atuando em oceanos azuis, quer dizer, tornando-se especialista em áreas do direito onde há pouca concorrência profissional. Atendimento de startups; direitos autorais e patentes; fusões e aquisições; due diligence, importação e exportação, vistos no exterior e emigração; e-commerce; crimes digitais, cibersegurança, gestão de riscos... e não nos esqueçamos do leviatânico marco civil da internet. A biotecnologia e a nanotecnologia, a meu ver, foram áreas meio superestimadas recentemente. Eu não vi acontecerem nesses setores as revoluções que eles prometiam — não do tamanho que eles prometiam. Mas mesmo assim, eu acho que é bom você ficar a-par desses setores, Luíza. Note que tudo-isso são nichos, caudas longas. E dependendo da região em que você atuar, estamos falando de mercados bem pequenos, mas inexplorados.
Tem mais: o mercado de educação! Espera-se que o advogado escreva bem e fale igualmente bem. (Ok: nós conhecemos alguns professores & coleguinhas que hipnotizam lesmas quando começam a discursar). Mas boas hàbilidades de oratória & redação são um recurso precioso na produção de infoprodutos: cursos online, podcasts, e-books, templates, matèrial didático, cartilhas, etc. Eu-mesmo pargaria caro por um curso que me ensinasse os paranauês do direito no dia-a-dia: tudo com lìnguagem brutalmente acessível, com design gráfico bacana, sem gravata & gel no cabelo, sem brocados jurídicos, sem citações latinas, sem pose de fodão. A maioria dos conteúdos online para o direito estão muito focados no exame da OAB. O mundo ainda espera por seu próprio Dráuzio Varíola — mas sem aquela cara de velho broxa.
O tempo livre dos nossos excelentíssimos representantes é preenchido com cagação-de-regras e criação de leis estúpidas (isso quando eles não estão nos roubando na cara-larga). Por conta disso, nossa vida está se transformando num campo minado de riscos jurídicos. Tem lei pra tudo; e sobrarão processos para todos os gostos. ¿Por que, então, em vez de ajudar as pessoas a se processarem mùtuamente, os advogados não criam um serviço de mapeamento de riscos jurídicos? Exemplo: vamos supor que eu queira abrir uma academia de ginástica. Daí eu contrato a doutora Luíza e ela faz para mim uma lista de todas as merdas jurídicas que eu poderei enfrentar com esse negócio. ¿Que tal? O que impede que os advogados pensem em coisas assim é que eles estão cercados de pessoas que também não pensam em coisas assim.
Saia da caixa, Luíza!
Fernando.
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